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ENTREVISTA

Blairo Maggi -- Mato Grosso S/A
28/08/2004 - Lino Rodrigues -- ISTOÉ:

Odiado pelos ambientalistas – tanto
que chegou a receber da revista britânica The Economist o apelido de “inimigo número 1 da floresta” –, o maior produtor privado de soja do mundo e atual governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), vive um dos melhores momentos de sua curta carreira política.

Em 2002, ele lançou sua campanha 100 dias antes do pleito e venceu no primeiro turno. Dois anos depois, o fenômeno eleitoral permanece vivo. Na última pesquisa, mais de 80% da população considerou sua gestão boa ou ótima.

Os números também impressionam: o PIB estadual tem crescido 8% ao ano, o emprego subiu 39% nos primeiros 12 meses de seu governo e a arrecadação aumentou 33% em 2003. Com tanta notícia boa, ele já pensa na reeleição.

Paranaense de nascimento, gaúcho de documento e mato-grossense de coração, Maggi tem imprimido ao Estado o mesmo ritmo que impunha à frente de suas empresas – um império agropecuário que leva o nome da sua família e fatura mais de US$ 600 milhões por ano.

Seus secretários sofrem cobranças todas as semanas, como se fossem executivos de uma empresa em busca de metas. Se os resultados não aparecem, a troca é imediata.

Seus colegas empresários têm atendido ao chamado do governo para ajudar nas obras do Estado, principalmente na construção e recuperação de rodovias. Em troca, vão receber uma parte do pedágio que será cobrado dos motoristas.

Sem uma referência política, sua escola foi a necessidade de se tornar uma opção nova em termos de política no Estado. Hoje, os candidatos a prefeito nas cidades mato-grossenses disputam sua ajuda na campanha.

“Tem candidato da oposição que me espera fora da cidade para pedir o meu apoio.”

São os ossos do novo ofício. Na entrevista, ele critica a morosidade do governo Lula e desafia os ambientalistas.

ISTOÉ – Como o sr. avalia o governo Lula?

Blairo Maggi – Começamos muito entusiasmados, até pelo posicionamento que o presidente tem com os governadores de ter conversas francas. Mas, no decorrer do ano passado, fomos percebendo que as determinações do presidente e dos próprios ministros não estavam acontecendo. Há uma conversa política na qual você faz os seus pleitos, mas eles não acontecem. Isso foi, naturalmente, desgastando o relacionamento. Não só comigo, mas com os outros governadores. Eu tive uma reunião com o presidente Lula para pedir o conserto das estradas federais. Sabendo das dificuldades, propusemos que cada real colocado, Mato Grosso colocaria outro. Ter estradas em boas condições é de vital importância para o Estado. O presidente disse que queria me ajudar porque eu não levo problemas para ele. Estavam presentes o José Dirceu (ministro da Casa Civil), o Antônio Palocci (da Fazenda) e mais alguns deputados federais. Mesmo assim as coisas não aconteceram.

ISTOÉ – Por que não?

Maggi – A máquina do governo não funciona. A grande maioria das pessoas que foram chamadas para o terceiro escalão e assumiram posições de
comando é despreparada e tem medo de encarar as responsabilidades que os cargos impõem. O governo parou, brecou tudo. No fim do ano passado, eu
tive de dizer ao meu secretariado que não contasse com nada de Brasília para 2004. Vamos aguardar mais um pouco, mas até agora o governo não está conseguindo fazer as coisas andarem.

ISTOÉ – Mato Grosso acaba de receber R$ 15 milhões do governo federal para investir na Ferronorte. Não é um sinal importante?

Maggi – Esse é um projeto federal com a iniciativa privada. O governo do Estado não tem participação, a não ser no acompanhamento político do processo. É claro que esse tipo de obra de infra-estrutura é importante. O ministro Ciro (Gomes, da Integração Nacional) tem mostrado boa vontade e determinação não só nesse caso, mas também na questão da BR-163. Tudo tem seu tempo, tudo demora. Eu compreendo o que é necessidade de tempo em função da burocracia. Agora, há outras coisas que são má vontade. Não sei se isso é posicionamento político, mas me afastei dessas questões que passam por Brasília. Eu não posso perder mais tempo com essas coisas.

ISTOÉ – O sr. chegou a falar dessas dificuldades com o presidente Lula?

Maggi – Não, eu não voltei a conversar com o presidente. Falei com alguns ministros e com o governador Wellington Dias, do Piauí (e do PT). Ele me disse que o governo queria voltar a conversar. Respondi que estou aberto para discutir. Não guardo mágoa, só que sou um cidadão que sei quando sou inconveniente. A partir do momento que não consigo fazer com que os projetos do meu Estado andem e tenham respaldo, recuo e me volto para o que tenho de fazer internamente.

ISTOÉ – O asfaltamento da BR-163 e a expan-
são da Ferronorte são as principais reivindica-
ções do Estado?

Maggi – Não necessariamente. Esses dois projetos estão andando e, no seu tempo, estão acontecendo. Os problemas acontecem nas coisas muito mais simples, como consertos de rodovias internas e convênios com o Incra para construção de casas populares para assentados. Assinamos os contratos, mas eles não acontecem. Os recursos não chegam. Enfim, a relação é muito difícil. Fica tudo na conversa e não há finalizações.

ISTOÉ – O sr. só tem queixas em relação ao governo?

Maggi – Não dá para dizer que tudo está ruim. O relacionamento no setor de segurança pública, por exemplo, tem andado bem. Temos dois presídios que estão sendo construídos com recursos federais. A Secretaria Nacional de Segurança Pública está bem trabalhada, está andando legal. Mas em outras áreas é complicado. Por exemplo: formação e capacitação de mão-de-obra, que têm uma demanda enorme aqui no Mato Grosso. Não conseguimos recursos. Mandamos projetos e as coisas não acontecem. Isso nos deixa chateados.

ISTOÉ – A quantas anda a questão da dívida dos Estados?

Maggi – O País não vai poder fugir desse assunto por muito tempo. A maioria dos Estados consegue manter sua máquina em dia, como é o caso do Mato Grosso. Levamos uma vida cotidiana tranquila, não temos atraso em nada. O funcionalismo está em dia e temos caixa para as obras que estamos fazendo. Mas quando olhamos o que mandamos para a União todos os anos tomamos um susto. O Mato Grosso está mandando 23% da sua arrecadação líquida para o pagamento de uma dívida que foi feita nos últimos 20 ou 25 anos. Só em 2004 serão R$ 640 milhões. E mais: com a renegociação do jeito que foi feita, a dívida ficará maior do que quando foi contratada. Estamos sacrificando o Estado em nome de uma dívida impagável. Isso não significa que não vamos pagar a conta. Defendo que deveríamos dar um corte nessa dívida de um ou dois anos. Nesse período, os Estados não pagariam, mas teriam que aplicar esses recursos em infra-estrutura e na melhoria da qualidade de vida do povo.

ISTOÉ – Como vai a relação do Estado com os índios?

Maggi – Eles dizem que nunca ninguém deu importância para a comunidade deles. Doze por cento do nosso território é indígena. Gosto muito dos índios e tenho uma relação muito antiga com eles. Quando assumi o governo, comecei a ir para as reservas indígenas visitá-los. Fui para entender um pouco da necessidade deles e da cultura de cada um e eles acabaram se sentindo amparados pelo Estado. Eles não tinham essa relação com o governo.

ISTOÉ – O sr. fez mesmo um acordo com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sobre a disputa presidencial de 2006? Segundo dizem,
os srs. combinaram que o melhor posicionado nas pesquisas será o candidato. O que há de verdade nisso?

Maggi – Eu, o Alckmin, o Antônio Carlos Magalhães Neto e alguns deputados e senadores fomos à China. Como eles são do PSDB e do PFL, começaram a brincar que o Alckmin seria o próximo presidente. Aí o ACM Neto disse que o Maggi teria que ir para o PFL para ser vice na chapa do Alckmin. Isso foi uma brincadeira que acabou ganhando algumas notas em jornais, mas não há nada de concreto. Estou no PPS e pretendo continuar nele. Temos uma questão da verticalização nas eleições e é preciso avaliar como o partido vai estar no futuro.

ISTOÉ – O sr. pensa na Presidência?

Maggi – Não, nesse período não. Tenho um único projeto agora: se for continuar fazendo política, vou disputar a reeleição. Essa é a possibilidade, outra não existe. Acho que é muito cedo e, no meu caso, acho que preciso provar muito mais na política para pensar em um projeto maior.

ISTOÉ – O sr. tem um estilo empresarial de governar. Isso ajuda?

Maggi – O estilo é trabalho. Eu exerço a minha função aqui como governador como exerci na minha empresa. Chego todos os dias às 6 e meia da manhã
e saio às 8 da noite. Eu me considero o funcionário número 1 do Estado. Fui eleito e ganho salário para isso. Portanto, me desliguei do restante e estou colocando à disposição do governo toda a minha experiência gerencial e fazendo as coisas acontecerem. Eu marco metas, tenho contrato de gestão, controlo o fluxo de caixa todos os dias, sei o que está se pagando e o que estamos comprando. Adotei um sistema de pregão nas compras e acabei com aquelas questões de cartas marcadas. As compras que o Estado tem de fazer são nos mesmos moldes da iniciativa privada. Ou seja, procuramos o melhor preço e o melhor produto. Essa disposição para o trabalho e a franqueza de dizer o que pode e não pode fazer são a minha marca. Não existe enrolação, não empurramos o problema com a barriga. Digo na hora: posso ou não posso. Basicamente, é o seguinte: tem que ser eficiente, transparente, honesto e ter ousadia.

ISTOÉ – O sr. tem contado com a ajuda dos produtores locais nas obras de recuperação de estradas. Muitos reclamam que têm de colocar dinheiro. Teoricamente isso não é responsabilidade do Estado?

Maggi – O Estado não tem condições de atender as demandas que são de responsabilidade dele. Nós não temos vergonha de dizer isso. Porém, o empresariado do setor agrícola percebe que ajudar o governo e contribuir na construção de uma rodovia provoca ganhos significativos na qualidade de vida da população. Além disso, tem o custo menor nos transportes. Outra coisa: o que o Estado está fazendo é uma espécie de parceria público-privada, na qual o produtor participa, porém a estrada será pedagiada. Num segundo momento, ele será ressarcido com o pedágio. E os produtores que não participaram do movimento terão de pagar. O dinheiro irá para o caixa da rodovia e ficará para a manutenção da estrada. Não é um programa obrigatório, mas de adesão. Hoje, já temos 46 consórcios de rodovia. No ano passado, construímos 509 quilômetros e, este ano, serão mais mil quilômetros. O mais importante é que os custos caíram. Antes, o quilômetro saía por R$ 600 mil. Hoje, não passa de R$ 200 mil.
"Nós estamos ocupando menos de 2% de todo o território da Amazônia para fazer agricultura. É uma coisa muito pequena"

ISTOÉ – Os ambientalistas não gostam do seu governo. A revista The Economist já o chamou de “inimigo número 1 da floresta”. O sr. se incomoda com isso?

Maggi – Não, não me incomodo. Tenho a consciência tranquila. Defendo um modelo de ocupação na Amazônia de respeito à legislação ambiental. Não prevaricamos e não deixamos que as coisas fujam do controle. Então, não posso me acovardar e dizer que vou aceitar tudo o que os outros pensam. Tenho um pensamento a respeito da sustentabilidade da Amazônia e do cerrado. O que estamos fazendo funciona. Então, não deixo misturar o que é da parte das minhas empresas e o que é da parte do governo. Primeiro, a Maggi não tem nenhum problema ambiental. Inclusive, faz negócios com o Banco Mundial e com outras instituições ambientais. No governo, queremos seguir a lei ambiental, concordando ou não com ela. Quando falamos de Amazônia Legal, estamos falando de 61% do território brasileiro. Os ambientalistas tratam isso como se fosse o quintal da casa deles. Nós estamos ocupando menos de 2% de todo o território da Amazônia brasileira para fazer agricultura. É uma coisa muito pequena.

ISTOÉ – Mas a pressão internacional é grande...

Maggi – Eu não condeno essa pressão, mas quero um espaço para a discussão de quanto podemos ocupar. A legislação atual diz que no cerrado pode ocupar
65% da área. Na floresta, 20%. Se a lei permite, não há por que não fazermos dentro dos critérios.

  

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