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TEMA LIVRE : Sérgio Luiz Fernandes

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Maria, mãe de Deus???
16/08/2007- Sérgio Luiz Fernandes*

“Como é que Nossa Senhora pode ser mãe de Deus, que é o pai, se ela é mãe de Jesus, que é o filho de Deus?”. Se eu fosse voluntário numa sala de catequese de uma Igreja Católica e estivesse ensinando crianças a rezar a “Ave Maria”, imagino que teria alguma dificuldade em responder a essa pergunta, caso alguma criança a fizesse, pois seria um questionamento, digamos assim, coerente.

A frase com esta afirmação está presente no início da segunda parte da oração: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós...”.

Eu poderia esclarecer a esta criança, ou ao menos tentar, com explicações sobre a Santíssima Trindade, citando ainda informações sobre a história da igreja, especificamente sobre a origem da frase.

Na verdade, eu poderia explicar, mas pessoalmente não me sinto à vontade em pronunciar este trecho. Como jornalista, tenho ímpetos de corrigi-lo mentalmente. Acredito que ficaria mais bem esclarecedor se fosse “mãe do Deus filho”, “mãe de Jesus”, “mãe de um Deus” (o Deus filho) ou ainda “Santa Maria, nossa mãe, rogai por nós...”.

O problema é que o jornalista, por mais incomodado que fique, terá que dar espaço à pessoa que aceita pela fé, pois dificilmente o trecho irá mudar.

O termo “mãe de Deus” provocou muita controvérsia nos primórdios da Igreja Católica. Tanto que foi necessária a convocação de um Concílio para por fim à polêmica. Isso ocorreu no ano de 431 da Era Cristã.

Convocado pelo papa Celestino I, o Concílio reuniu então as cerca de duas centenas bispos existentes no mundo em Éfeso, na Ásia Menor (hoje, Turquia). A cidade foi escolhida porque se acredita que Nossa Senhora tenha vivido ali. A polêmica foi causada pelo bispo Nestório, patriarca de Constantinopla, que defendia ser Maria a mãe de Jesus e não de Deus, sob o argumento: “Então, Deus tem uma mãe?”.

As idéias de Nestório foram derrotadas. Os bispos declararam que Maria seria sim a mãe de Deus, “porque seu filho, Cristo, é Deus”. Nestório não acatou a decisão e acabou sendo excomungado (espero não ter destino igual).

Bem, voltando à Ave Maria, esta nasceu, na sua primeira parte, da junção de frases consideradas de inspiração divina (Novo testamento). As duas primeiras frases “Ave Maria, cheia de graça. O Senhor é convosco.”, foram ditas pelo arcanjo Gabriel à Maria, durante o anúncio da concepção.

A frase seguinte, “Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre”, é uma saudação da prima de Maria, Isabel, quando Nossa Senhora foi visitá-la, na fase final de sua gravidez.

Curiosamente, minha implicância é justamente com o trecho de inspiração humana da oração. O trecho final da Ave Maria também tem origem igualmente no Concílio de Éfeso.

No encerramento do Concílio, o santo Padre Celestino fez uma saudação à virgem Maria, diante da assembléia, nos seguintes termos: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”. Consta que os religiosos saíram às ruas proferindo esta frase diante dos hereges que discordavam do status de Maria. Mais tarde surgiu a oração, com a junção de todos os trechos citados.

Bem, Maria não é mãe do pai de seu filho. É mãe do filho. O problema semântico é que os dois (Pai e Filho), são aspectos da mesma divindade, na qual também se inclui o Espírito Santo (é a Divina Trindade).

Não sei se vou ser considerado a reencarnação das idéias de Nestório, mas defendo um texto que melhor esclareça o sentido da frase. E isso (uma mudança) não é exatamente uma heresia ao longo da história da igreja. Na minha infância, nos anos 60, eu me lembro que o Pai Nosso, por exemplo, era rezado da seguinte forma: “Perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores (trecho do Evangelho de Mateus. Porém, hoje, rezamos outro trecho, o do Evangelho de Lucas: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos têm ofendido”.

Depois de séculos num mesmo formato, as missas, que até o Concílio Vaticano II, na década de sessenta, eram celebradas em latim (com o padre de costas para os fiéis), hoje são bem diferentes, rezadas nas línguas nacionais. E olhe que o papa Bento 16 já tem a intenção de fazer mudanças, possibilitando que partes da missa voltem a ser celebradas em latim, em algumas circunstâncias.

Outra alteração, de menor porte, ocorreu na ordem das frases do seguinte trecho da missa: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda honra e toda a glória, agora e para sempre, amém”. O trecho destacado “na unidade do espírito santo”, até bem pouco tempo sempre encerrava esta frase. Ou seja, nem tudo é imutável nas celebrações, preces e liturgias da Igreja.

A mudança proposta não alteraria o status de Maria. Apenas o deixaria mais claro, certamente, para as crianças na catequese e para jornalistas implicantes.

...

Sérgio Luiz Fernandes é jornalista em MT



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Comentários dos Leitores
Os textos dos leitores são apresentados na ordem decrescente de data. As opiniões aqui reproduzidas não expressam necessariamente a opinião do site, sendo de responsabilidade de seus autores.

Comentário de Montezuma (montezumacruz@gmail.com)
Em 03/07/2009, 20h09
DIVINDADE E COMPREENSÕES
Grande Sérgio Fernandes: tu explicou com cátedra. Os mistérios das mudanças ocorrem há séculos, razão porque ainda existe a implicância em relação à "mãe de Deus". Não apenas de jornalistas, mas de um mundão de pessoas. Enfim, há tantas compreensões neste Universo. Fiquemos com a sua, fruto de sapiência e pesquisa a respeito da Divindade. Amém.

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