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TEMA LIVRE : João Vieira
Da coerência cênica de Pirenópolis
10/11/2007
Que me perdoem os improvisistas, mas a coerência é fundamental. Especialmente se nos achamos frente a representações históricas prenhes de tradições e cujo peso específico não se pode ignorar; e muito menos descartar! Por sua vez, eles, os improvisistas, são ligeiros nas suas feituras (ou mal-feituras) e o pior: invariavelmente seguros de suas certezas e convicções. Muito ciosos de suas vantagens!
Assim é que levar um improvisista a mudar de idéia ou a abdicar, abrir mão de uma atitude sua, unilateral, não é tarefa fácil. Em verdade é parada para a mais eficaz das pedagogias ou sábia persuasão. Mas como o homem é homem - rei da criação e não uma ¨mula empacada¨, que eventualmente se fecha em birra voluntarista, egoísta - resta a esperança de que a solidão desse isolacionismo mantenha uma fresta de abertura ao diálogo; a porosidade para uma posição partilhada, ou cooperativa, em favor do interesse comum ou ideal maior; interesse plural em que todos se beneficiem, inclusive o próprio. E não, nunca, apenas ele (o inoveiro), em detrimento de um sentimento público ou lídima aspiração da maioria.
Agora queremos nos referir à coerência cênica do conjunto arquitetônico desta jóia histórico-ecológica e (por enquanto) social e ainda de quebra cultural, que é Pirenópolis. A ¨civitas¨ e a ¨urbis¨ clássicas de Meia Ponte, portal civilizacional (principal?), erguido nos vãos e contrafortes da Serra dos Pirineus. Um pólo habitacional agraciado de paz e fartura, fosse ele da fase colonial, imperial ou republicana. E não importa se republicana arcaica ou novíssima, quando efetivamente se vê reconhecido e assumido pelo turismo.
No geral, a história (cultura) e a ecologia têm sido sistematicamente sacrificadas pelo desenvolvimento industrial; aquele modelo afluente de ¨desenvolvimento¨, impositivo e avassalador da última centúria. E que muitas vezes gera em suas bordas, sua periferia tão somente um desenvolvimento banal, em que a tônica é a permissividade das formas e dos conteúdos. Isto em todos os planos e lugares, diga-se de começo! E vale insistir nas duas linhas de realidade como as mais atingidas, quais sejam: a história e a ecologia.
Difícil, pois, é encontrar um conjunto barroco preservado e uma mata originalmente intacta. Ultimamente até a Amazônia ¨impenetrável¨, mítica ou misteriosa e também os extensos cerrados, e cerradões, tidos como inóspitos, não escaparam. Mas fixe-se nos centros históricos remanescentes, barrocos por sua gênese e suas características - como no caso de Pirenópolis. Uma verdadeira preciosidade! Entretanto não inteiramente livre de pressões e investidas descaracterizadoras...
Paulo Sérgio Galeão, do Escritório Técnico do Iphan, Pirenópolis, tem uma designação artificiosa para as meias-águas que se elevam acintosamente ou por outra, sorrateiramente, por sobre o telheiro da parte histórica da cidade, quebrando a unidade cênica do casario colonial. Às tais improvisações, verticais, chamou ele ¨girafas¨ e convenhamos é uma nominação pertinente, visto ser a girafa uma das composições corporais mais desconcertantes ou estranhas da natureza. As suas desproporcionalidades são flagrantes e dizem até que a Girafa teria sido projetada por um comitê!
Coerência, então, resume o significado expressional da lógica e esta, por sua vez, exprime a dinamicidade do mundo. Isto em acordo ou na linha de sua manifestação natural, e do seu contraditório, ou seja: o lógico e o ilógico. Assim, o lógico e seu contrário - o ilógico - sugerem a ambivalência do certo e do errado; o bom e o mau; feio e bonito; o coerente e o incoerente!
A incoerência cênica é tudo isso, ou melhor, o antitudo: o antiético, o antiestético, o anormal, o grosseiro, brega e interesseiro, ou seja, o antitudo ou, numa expressão, o nada - se, ao contrário, quisermos obra apresentável - obra digna de um desígnio civilizatório verdadeiramente humano. (Continua)
*João Vieira é sociólogo e escreve quando bem entende no Saite Bão. E-mail: joaovieira01@pop.com.br OBS: Em parceria com Maurício Imenes, arquiteto morador de Pirenópolis.
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