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TEMA LIVRE : João Vieira
Mato Grosso do... (II)
10/07/2009
Bem observou o folclorista, cantante, Renato Teixeira que não sabia distinguir em qual Mato Grosso esteve num sonho: se do Sul ou o outro. Isto se dá por uma razão muito simples: o Mato Grosso do imaginário brasileiro sempre foi e segue sendo apenas um. Inteiriço. Único e indivisível. Grande e insuperável. Incomparável! Afinal, o fato de ser do norte ou do sul é uma questão particular e peculiar, interna; ou até de foro íntimo que não quer dizer muito para os de fora. Não conta, a não ser em referenciamentos numéricos, especialmente no que tange às verbas...
Todavia, para o referenciamento cidadão ou identidade patrícia e mais domínios abstratos ou, melhor dizendo, volitivos, como a esfera histórico-cultural, conta muito internamente. Entretanto não cabe fazer drama ou criar caso, acaso se trate de tratativa externa de nossas questões internas, quer dizer, coisas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Até mesmo porque as duas unidades federativas têm muita coisa em comum. RONDON , (Candido Mariano da Silva), por exemplo, é “santo cívico” tão nortista quanto sulista. Assim também o é Luiz de Mello Pereira e Cáceres e da mesma forma o herói Antônio João Ribeiro. E ainda José Vieira Couto de Magalhães e também Antonio Maria Coelho, este, nascido em Cuiabá. Já Ricardo Franco de Almeida Serra (notável engenheiro militar) que implantou e operou, com denodado patriotismo, o Forte Coimbra, é mais legitimamente do Sul.
Condição, aliás, que podemos conferir a todos quantos resistiram à tentativa de apropriação do território guaicuru por parte do Paraguai de Francisco Solano Lopez. Como um Guia Lopes, Cel. Camisão, Taunay e mais todos os guerreiros que pelejaram na Bacia do Prata; e aos quais se deve ajuntar, por exemplo, Emil Odebrecht que à época se ocupava, na qualidade de engenheiro geodésico, da colonização pioneira de Santa Catarina e que interrompera seus afazeres para dar tempo no “front” da loucura guerreira maior do Século XIX, em paragens da América do Sul.
Ainda por oportunidade, e pertinência, assumir e promover a valorização da obra do naturalista Fritz Müller, parceiro de Odebrecht e correspondente-colaborador de ninguém menos do que Charles Darwin – ele mesmo – o da Teoria da Evolução das Espécies. Cumpre não deixar na vala do esquecimento feitos pioneiros mais modernos como os desbravamentos levados a termo, como fizera Nheco Gomes da Silva ou mesmo um Laucídio Coelho e aos quais se deve ajuntar, por justiça e oportunidade, Nazareno Davidoff Lessa, um mineiro pioneiro da ação técnica correta ecologicamente, além de humanista praticante que orgulharia qualquer nação ou comunidade patrícia.
Por conta de curiosidade histórica ou, se quiser, sociológica, lembremos, por derradeiro, o bandoleiro Selvino Jacques, aventureiro delirante e romântico, gaúcho de origem e que infernizara as bordas do Pantanal Meridional. Mais precisamente, região de Bonito/Bodoquena, como espécie de “lampião” ou Hobin Hood Pantaneiro. E nem falta um místico legendário para completar a galeria de personalidades-esteios ou matriciais de um todo social diferenciado. Global. Falamos, aqui, do médium de saudosa memória, habitante de Corumbá/Ladário e de fascinante história de vida, marinheiro Macedo. (E que, por acaso, tem em Serrou Camy , de Pedro Gomes / Campo Grande seu continuador – com obra espírita consolidada e editada.
Assim entendido, e com um tal lastro ancestral, de fundamentação histórica, originária, a novel Unidade Federativa Mato Grosso do Sul, não precisa agüentar choramingas por complexo de inferioridade, nem também tolerar o absurdo de iniciativas extemporâneas pró troca de nome, como Estado do Pantanal, de Campo Grande, Maracaju, Guaicuru ou outra esquisitice qualquer.
Por conseguinte, a saudação pelo violonista Yamandu Costa, ao auditório (lotado), em Campo Grande , com um sonoro “boa noite Mato Grosso”, não se constituiria numa tragédia em constrangimento, com toda assistência replicando, uníssona – “Do Sul”! Apenas uma gafe, como outros em outras ocasiões, do instrumentista genial e então a ser retificado mais ou menos discretamente por alguns dos mais zelosos; sem fazer espécie! Mas não - e, segue a tensão, que haverá, naturalmente, de ser desarmada. Repita-se: Mato Grosso (-) do Sul é, quando acontecer e convier, mais uma questão de opção, amor ou, se quiser, preferência. E de ordem interna.
Conclua-se inscrevendo que um leitor-colaborador me observara que nas décadas de 80/90, Mato Grosso do Sul espelhava o agronegócio; enquanto que Mato Grosso uma promessa. Hoje, porém, MT fez-se a própria “cara” e, mais que nunca, as duas unidades federativas precisam se somar. Cooperar e unir e brigar muito bem entendidas, afinadas pela sua atualização e desenvolvimento sustentável.
Justamente quando o cerco se fecha, se avizinha inexorável, em favor do corretamente ecológico. Na presente quadra, já não mais somente agentes externos e/ou longínquos, senão que também os daqui mesmo – reais e palpáveis. Decisivos! Aqui dizemos das redes de distribuição de carnes, grãos e derivados. Como as farinhas, óleos e quejandos. E, obviamente, da ameaça, anunciada, do boicote sistemático ao ”boi pirata” ou ilegal, resultante dos desmatamentos e queima indiscriminada de florestas virgens. Intocadas. E dos grãos e madeiras, idem; da mesma forma, o etanol para exportação ou não, havidos da fímbria das matas restantes e/ou bordas dos pantanais (especialmente MS).
Por derradeiro, que se diga que isso corrobora a fé – inquebrantável – no triunfo da razão e que sacrifícios como o de Francisco Anselmo de Barros, não quedarão no vazio. Em vão! Franselmo, ecologista sul-matogrossense que se imolara, em protesto ao avanço da monocultura canavieira, na orla pantaneira; o Franselmo de acendrado, extremado, idealismo ambientalista e em memória, e honra, de quem rendo, reverente, o preito de respeito e homenagem. De compaixão, contrita, nesta escrita-crônica, testemunhal.
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*João Vieira -- joaovieira01@pop.com.br --professor-fundador do a UFMT – Departamento de Sociologia – também tomou parte na implantação da UFMS --, escreve no Saite Bão quando bem entende
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