Nada mais doloroso para a antiga geração do que passar em frente ao velho Cine Glória, de Aquidauana, e ver aquela placa de “vende-se”. Para meus conterrâneos, aquele imponente prédio sempre representou o templo da cultura e do lazer. Ali, os jovens de sucessivas épocas, viveram sonhos. Derramaram, talvez, as primeiras lágrimas provocadas pela arte do cinema. Abriram seus olhos para um mundo exterior, maravilhoso e fantástico. Experimentaram a alegria de participar da vida, mesmo numa pequena comunidade, tão distante dos grandes centros. Ali, no palco, tiveram também conhecimento da arte do teatro, trazida por vários atores. E, na platéia, a lembrança saudosa de vários amigos que se perderam no tempo, namoricos primaveris, pessoas importantes da terra que respiraram juntos as emoções emanadas daquele recinto mágico.

O prédio do Cine Glória é uma relíquia, um patrimônio cultural teimoso, que o tempo até agora ainda não conseguiu destruir. Atualmente poucas cidades no Brasil têm essa referência arquitetônica em seu acervo.
Porém, aquela placa fatídica “vende-se” que substitui os cartazes anunciadores dos filmes apaixonantes de outrora, anuncia e determina o seu próximo e inexorável destino. Será convertido em uma loja comercial? Em um templo religioso, como tantos outros prédios semelhantes? Ou mesmo, será demolido de vez para surgir uma nova edificação? Nunca se sabe.

A placa é bem clara: “vende-se”. Não existe nenhum compromisso com o sentimento saudosista arraigado em tantos corações aquidauanenses.

De repente, surge o “Correio do Estado”, de Campo Grande, do dia 5 de novembro de 2009, onde se lê em letras garrafais: “Projeto Viabilizará Salas de Cinema no Pais”.

Avidamente procuramos ler o conteúdo e, nas primeiras linhas, uma afirmação: “As cidades sul-mato-grossenses que têm entre 20 mil e 100 mil habitantes poderão construir ou reativar cinemas”.

Meu Deus! Aquidauana pode estar dentro desse projeto, “Projeto Cinema da Cidade”, do Ministério da Cultura. O milagre vai acontecer. Inacreditável! Vai ser o fim, a condenação ao extermínio, daquela horrenda placa agourenta!

Continuamos lendo a página do jornal. Na segunda parte do artigo, o sonho se desfaz quando se refere à Aquidauana.

Não se pensa em comprar, ou desapropriar, o prédio do Cine Glória que comportava cerca de 900 pessoas. Segundo o Presidente da Fundação de Cultura de Aquidauana, pensa-se em construir uma nova sala com 200 lugares na área da antiga Estação Ferroviária.

Acompanho boquiaberto as razões: “O Ministério da Cultura não deverá investir num imóvel particular”, (Isso é evidente). “O prédio do antigo cinema não tem condições adequadas para ampliação” (E há necessidade disso?). “Nossa idéia é que o cinema também tenha áreas para cursos, além de bomboniere (!!!) e outros elementos que tornem a sala atraente. Seria uma sala com 200 lugares, diferente dos antigos cinemas, bem maiores, porém, mais adequado à realidade atual”.

Arrefecido no arroubo do nosso entusiasmo, continuamos a leitura e constatamos a seguinte declaração da Presidente da Fundação de Cultura de Corumbá:

“O projeto Cinema na Cidade, lançado ontem em Brasília, beneficia municípios como Corumbá, cuja prefeitura promete se inscrever para a recuperação de antigas salas, entre elas o próprio Anache cujas instalações estão se deteriorando. A cidade sairá na frente para ser contemplada”.

Chego, então, a uma conclusão: Pelo menos um cinema no Estado de Mato Grosso do Sul vai conseguir ser salvo do determinismo da destruição por esse oportuníssimo projeto federal. É ele o Cine Anache, de Corumbá.

Quanto ao Cine Glória, de Aquidauana, meus queridos conterrâneos saudosistas e sentimentais como eu, só nos resta dizer a ele, como última referência: Amém!...

...

*Paulo Corrêa de Oliveira é professor-fundador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e arquiteto em Aquidauana (MS)

Compartilhe:

Comentários dos Leitores
Os textos dos leitores são apresentados na ordem decrescente de data. As opiniões aqui reproduzidas não expressam necessariamente a opinião do site, sendo de responsabilidade de seus autores.