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TEMA LIVRE : Eduardo Mahon

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A bolha
14/01/2010

Local de gente rica? Muito mais que isso. Esses três bairros formam um conceito. Aplaudido por uns e odiado por outros, esse conceito veio para ficar. Do que estamos falando? De um nicho de concentração de renda, com abundante segurança, numa zona apartada de problemas miúdos da cidade. A Barra da Tijuca, os Jardins de São Paulo e Puerto Madero de Buenos Aires representam a extravagância, o esnobismo, o conforto e riqueza – tudo ao mesmo tempo. Nada contra a riqueza, mas é principalmente com dinheiro que o poder público precisa lidar de forma inteligente.

Esse conceito não é propriamente o american way of life norte-americano, embora haja uma patética Estátua da Liberdade fincada na Barra e as lojas portenhas e paulistanas tenham os nomes ingleses. Na Europa, também há nichos de riqueza esnobe, seletiva e excludente. Na verdade, há em qualquer lugar. Os intelectuais costumam não suportar esses espaços meio alienados da cidade: uma verdadeira ilha da fantasia. O incômodo nessa importação não é a costumeira grandiloqüência e sim a ostentação e o alheamento.

O padrão de vida é tão irreal quanto o preço de uma garrafa de água.

No entanto, tudo indica que esse acampamento endinheirado não se vai tão cedo. Na capital portenha, o bairro que mais cresce em investimento é Puerto Madero, sede de várias empresas internacionais e pista de caminhada dos turistas deslumbrados com restaurantes caríssimos que julgam ser os melhores de Buenos Aires. Não são. Em todo o caso, a sensação de segurança e o mercado voltado ao turismo são fatores atraentes para os que podem trocar o dólar pelo correspondente ao triplo de pesos. Tango autêntico em pequenos salões populares, nem pensar. Muito arriscado.

Nos Jardins, um conjunto de bairros conservadores paulistanos, as melhores boutiques estão instaladas. Ruas inteiras dedicadas à moda de alto custo e shoppings especializados em grife. Tudo muito antisséptico. Tradicionalmente residencial, essa zona paulistana atrai o deslumbre e o consumismo. É tanto dinheiro que há o luxo de desprezá-lo em alguns restaurantes e lojas. O que tinha um acento pronunciado europeu, agora adquire um olor forte da cultura estadunidense do consumo.

A região onde se concentram os maiores investimentos cariocas é a Barra da Tijuca. Tratava-se de uma piada de mau gosto para o morador tradicional da zona sul ser convidado para um jantar além-túnel. Quem diria que os conceitos iriam se inverter? O mercado imobiliário cresceu tanto no nicho rico da cidade que as construções são pensadas de forma absolutamente autônoma: shopping, manicure, mercado, quadra de tênis, padaria, tudo o que for imprescindível para evitar sair dessa bolha.

Bolha. É a proposta urbana contemporânea. O marketing vende comodidade e segurança. Espécie de mantra. Mas ilusório. Os condomínios fechados, gigantescos empreendimentos que pretendem isolar os moradores, bairros cercados por muros e seguranças armados, tudo é uma forma de evitar a inconveniente realidade e promover um alheamento da verdadeira cidade, aquela que tem problemas de segurança, educação, transporte público – vida real, em resumo.

A solução mais confortável é a menos solidária. O investimento mais concorrido é o menos popular. A classe média e alta, ao se refugiar do centro das cidades e bairros antigos, não só formam um vazio urbano que é ocupado pela marginalidade, como contribuem para diminuir a pressão pública por melhorias municipais. Afinal, para que se importar com moradores de rua, prédios abandonados, comércio falindo, se a piscina do clube particular continua limpa?

Essa bolha urbana, no melhor estilo Maria Antonieta, ensina as novas gerações um apartheid urbano. O social já vem desde a alfabetização. Como o ensino público de base forma cidadãos sem condição real de competir pelas melhores vagas, ser poliglota num mundo de analfabetos funcionais parece normal. Não conviver com a ralé é o novo objetivo de vida. Se antigamente, o conceito de mansão era o máximo da elite esnobe, hoje bairros isolados e condomínios fechados, formam a coletividade dos aburguesados da pós-modernidade. E as construtoras faturam rios de dinheiro vendendo o “sonho” de morar em lagos e jardins, um mundo quase idílico.

Essa bolha estoura algum dia. Seja pela quebra inesperada do mercado imobiliário especulativo e ultravalorizado, seja pela enorme distância social que se forma de um pólo a outro da cidade. E quando estourar a bolha, certamente estarão lá os magnatas comendo distraidamente os brioches, jogando tênis ou correndo nas academias particulares. Antes que isso aconteça, o poder público deveria estimular a integração e não ceder àqueles que pretendem construir mais muros e redomas de vidro.

...

*Eduardo Mahon é advogado, doutorando em Direito e membro da Academia Mato-Grossense de Letras


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