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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros

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O Lobisomem
21/04/2011

Pois é, digo e afirmo que conheço um lobisomem e sei até onde ele mora.

Antes que perguntem, ele é igual à gente, nada de nada de diferente.

Não possui nenhuma anormalidade que chame atenção ou possa dar pistas de ser uma assombração. No caso do sujeito que conheço, as suas mãos até que são meio peludas, mas isso a gente vê por aí em quem não é lobisomem.

Conheci sem saber. Há alguns anos fui trabalhar numa cidade pequena, onde descobri que ainda existem todos os tipos de assombrações e coisas do além mundo do lado de lá.

Fui dar plantão como clinico geral no pequeno hospital público da cidade. Descobri que na equipe teria um colega cirurgião e um anestesista que morava à distância de meia dúzia de casas. Quando necessário corriam lá e o chamavam.

A minha empregada quando soube que daria plantão com o cirurgião caiu num mutismo ensurdecedor. Desconfiei que o colega fosse uma pessoa difícil.

Cheguei ao plantão e me apresentaram a equipe. Para minha surpresa, o colega era muito simpático e de excelente formação. Vinha da Universidade Nacional de Medicina, atual UFRJ.

Notei que alguns funcionários tinham um respeito misturado com receio do cirurgião. Não entendi e observei que o comportamento se repetia principalmente entre os mais humildes. O colega era muito educado e excelente profissional não se justificando a atitude.

Num fim de uma tarde, com o plantão calmo, saímos os dois do hospital para tomarmos um suco no bar da esquina. Ao lado saíam às crianças do colégio. Vínhamos pela calçada e, quando elas nos viram, debandaram para o outro lado da rua. Cochichavam e nos olhavam com certo temor.

Gente estranha essa do interior, fiquei matutando.

Como a coisa se repetia assuntei com minha funcionária ao chegar a minha casa. Após persuasão e esforço, ela arregou e sucumbiu a história.

-“Dotô, o cirurgião Seu Juquin é lobisómi!”.

Valha-me Deus, mais essa! Fui curioso para saber dessa história.

Confesso que fiquei preocupado. Quem percorre os corredores de um velho hospital durante a madrugada tem medo até de boitatá. Como nada é mais esclarecedor que a verdade, no plantão seguinte eu perguntei o motivo da história ao colega.

Ele sorriu embaraçado e contou.

Ao chegar à cidade começou a trabalhar muito. Com pouco tempo de trabalho resolveu se meter na política e saiu candidato a prefeito.

A cidade funcionava na base do gerador a diesel e por vezes caía na escuridão. Numa dessas quedas ele atendia um abortamento. A luz acabou logo que a mãe expeliu o feto mal formado. Era o fruto triste de alguma doença congênita.

Quando retornou a luz ele observou que faltavam partes no pobre corpinho.

Os adversários políticos que tinham a família da mãe entre os seus saiu com a história no dia seguinte.

O Doutor era Lobisomem e tinha comido pedaços da criança!

Poucos dias depois saiu o boato que ele era cirurgião para poder comer entranhas das pessoas sem que elas soubessem. Começou a surgir gente com só um rim, sem o baço, com pedaço de fígado desaparecido. Todos pagos pelo adversário de campanha. Diziam que o que mais gostava de comer eram os apêndices.

Rezarias foram realizadas e falou-se até em sumir com o inocente cirurgião. Alguns já estariam derretendo prata para servir de munição.

A toda noite surgiam relatos de avistamento do lobisomem pelos bairros, muita gente se dizia atacada. As ruas ficaram vazias e qualquer latido da cachorrada pela madrugada era seguido por um sem número de “Pai nosso e Ave Maria” dos insones mais assustadiços.

O Lobisomem andava por todos os lados. Os bêbados da praça da rodoviária procuravam dormir sobre abrigo. Não havia gente que via mais coisas do outro mundo que eles.

Até o pobre do padre teve que intervir para que não terminasse em desgraça a confusão.

O colega perdeu a eleição e metade da clientela.

Por lá, uma sina pior só a do pediatra que à noite virava morcego. Mas essa é outra história...

...

*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT


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