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TEMA LIVRE : Wagner Malheiros

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Outra curta e boba história de amor
27/04/2011

Mundo, vasto mundo. Da varanda tudo era água.

Época das cheias, do rio invadindo a mata e dos corixos de fundo azul bom de banho e de pescar.

Francisco olhava o rio gordo descendo lento. As águas de tonalidade marrom rolavam entremeadas pelo pouco verde dos aguapés desgarrados.

Na cadeira velha que resmungava a cada balanço, ele enxergava o passado. Quando mirrado no colo da avó ia ao seu embalo, indo e vindo. O rio parecia tão maior e tão mais longe. Dormia e sonhava com sonhos de criança.

Mundo, vasto mundo. Pelo rio tudo passava.

Barcos desciam e subiam, pescadores em suas magras canoas e outras gentes em busca da vila para as compras da necessidade ou de visitas de amizade.

No dia de domingo mais canoas e alguns barcos com suas rabetas barulhentas. Era dia da missa. Todos iam solenes com sua melhor roupa, atentos nas recomendações dos pequenos e na expectativa das conversas e encontros. Passavam e da varanda Francisco olhava e esperava.

Esperava a canoa que levava Maria Rita.

Por detrás da imensa gameleira que fazia sombra no rio, ela surgia. Vinha como de costume no pequeno barco entre os seus pais, compungida na antecipação da vergonha que sentia na presença de muita gente. Seu Jucá remava de forma lenta e ritmada.

Só depois Francisco saía. Levava a mãe seguindo de longe a canoa de Maria Rita.

De tanto repetir, foi notado. Seu Jucá pareceu não gostar de princípio, mas como lhe disseram o rapaz já não tinha o pai, cuidava da mãe e era zeloso nas serventias e na labuta do sitio. Se não atrapalhou ele também não deixou a aproximação.

Passou dia, passou semana e o rio ia passando.

A mãe de Francisco avisou da novena de Santa Maria. Por tradição sempre em uma casa diferente até completarem os noves dias.

Por toda a novena ele viu Maria Rita. No último dia ao entoarem o “Pai Nosso”, numa ousadia ele ficou ao seu lado e rezou de mão dada. O coração apertou a garganta, a testa porejava e ele nada escutava. Só sentia a mão apertando a sua. Mão pequena, quente e com dedos frágeis como nunca havia sentido.

Não dormiu essa noite. Na madrugada olhava as estrelas e sentia a angustia de estar vivo num mundo que lhe faltava a Maria Rita.

Mundo, vasto mundo, só lhe faltava o amor.

Faltava a permissão e um dia foi conversar com Seu Jucá. No caminho recitou, inventou conversas e por fim quedou-se mudo e desesperado sem saber o que dizer.

Achegou a canoa e desceu. Tomou susto de ver muita gente fora da casa miúda. De longe voz de choro.

Maria Rita não estava. Tinha sido levada para a vila. Um dizia que foi Boca de Sapo, outro que era Pico de Jaca. A mordeu no tornozelo quando estava no ralo pomar colhendo poucas verduras. Não viu a cobra.

Francisco chorou sem vergonha de chorar. Remou até a vila.

Lá chegando ela já não estava.

...

Mundo, vasto mundo.

Da varanda Francisco via o rio.

Rio que levava, trazia e passavam.

Só não mais passava Maria Rita...

...

*Wagner Malheiros é médico pneumologista em Cuiabá/MT


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