Perguntaram certa vez a um velho idiota que andava por aí, quantos filhos ele tinha. “Eu, nenhum”, respondeu, “ mas as mulheres com quem vivi tiveram, alguns meus.”

É mais ou menos o que eu diria, hoje, a caminho do asilo. A mala tá pronta, molambenta e quase vazia. Preciso de pouco pra onde vou, não se enterram miseráveis com sua bagagem. Mesmo que enterrassem, caberia em metade dessa trouxa. E pensar que já teve gente que levou até automóvel pro túmulo. Será que no inferno existem estradas? Tomara que não sejam gerenciadas pelo Dnit, pelo menos.

Não que isso me preocupe. Só não quero quebrar uma perna póstuma metendo o pé num buraco demoníaco. Vai que o Elvis perde o controle do seu Cadillac V8, né mesmo? Ói eu esquartejado, já morto, no meio da IF-163! Ia ser infernal.

O cara chega a esse ponto da, hãããã, digamos, existência tendo que engolir batráquios graúdos. O pivete fica te olhando feio porque você está dentro da tua casa de short folgado e camiseta, estirado no sofá (meio rasgado, mas ainda quebrando um bom galho), com uma latinha de cerveja na mão. E ele está querendo entronizar no ambiente a mina, morou? A gatinha, a ficante, uma coisa dessas. Fósseis não ficam na superfície impunes.

Fico imaginando se arrumou esse enrosco na saída da missa, dentro do confessionário, varrendo a sacristia. Mas são coisas do meu tempo, a moçada mais descolada não frequenta nada disso, no que faz muito bem. Nunca aprendi nada que prestasse com os batinudos da minha época. Só mesmo a insegurança e a baixo-estima de ter que dedicar os sucessos aos santos e os fracassos à minha pouca fé. Mérito próprio, jamais.

Tudo que eu conseguia ralando, trabalhando, aguentando filho da puta no meu saco, estudando e livrando o pescoço de canalhas e invejosos, era obra de São Benedito! Isso quando não tinha que pagar promessas absurdas feitas aos santos, em meu nome e à revelia, por uma tia pau d´água que delirava na cachaça e prometia até caminhada na brasa viva, descalço, se fosse aprovado até em exame de fezes.

Minha infância, como se pode notar, não foi na Disneylândia.

Falava de filhos. Ou falhava? Questão de letras, consoantes, vogais, coisas de quem ta vagando. Melhor mudar o rumo da prosa.

Bem, tão buzinando aqui na porta. Tô indo. Uma hora dessas, se conseguir pular o muro, volto a manter contato. A vida é breve, nem sempre bela, então aproveite o que for possível.

...

*Serafim Praia Grande, numismata e espeleólogo, não tem a mínima idéia do que venha a ser isso, mas já comprou um GPS pra não se perder na barca de Caronte.

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