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TEMA LIVRE : Kleber Lima

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O referendo (não) acabou
26/10/2005

O referendo acabou, mas sua história apenas começa a ser contada. Como diz um autor extraordinário a quem fui apresentando muito recentemente pelo camarada Paulo Ronan (Ernst Bloch), a “obscuridade do instante vivido é o verdadeiro nó do mundo, o enigma do mundo”.

Pois, tratemos de tentar desvendar esses nós. (Aliás, o que fazemos nós, que escrevemos regularmente sobre conjuntura e que tais, senão tentar desvendar esses nós, iluminar essas dúvidas diariamente, mesmo tendo mais chances de errar do que de acertar?).

O referendo foi mais que uma disputa entre um “sim” e um “não”. Foi uma guerra de marketing muito interessante de ser vista e observada para os que se interessam pelo assunto, porque foi travada num cenário em que não despertava muito interesse da sociedade, vindo a atingir seu clímax somente muito próximo do último domingo.

De um lado, o velho Chico Santa Rita, o “marketeiro das causas perdidas”. Do outro, os publicitários Paulo Alves e Elysio Pires (este último com 64 anos de idade e uma vasta experiência, tento trabalhado em campanhas como as do ex-presidente Itamar Franco e também na de Tancredo Neves), e ainda tendo o trabalho “voluntário” de Washington Olivetto, da W/Brasil, entre outros.

Chico - quem é do ramo sabe - defende a linha de que o conteúdo, o posicionamento, a estratégia é mais importante que a forma, o vídeo, a plástica, num planejamento de marketing eleitoral. É um dos maiores críticos do chamado marketing de vídeo-tape desenvolvido pelos badalados como Duda Mendonça e Nizan Guanaes. Na verdade, o grande confronto que se viu na TV foi entre estes dois conceitos (veremos adiante que não precisam ser necessariamente opostos).

Vimos uma campanha que nasceu com resultado dado (a vitória do “sim” era certa, bastando para isso lembrar que em agosto o Data-Folha dava 80% e o Ibope 70% de intenção de votos no 2).

Com essa vantagem a seu favor, a campanha do sim privilegiou o asseio cênico e estético, o requinte tecnológico dos seus programas e a emoção levada à toda prova, como o mote de defesa da vida, empunhado por artistas globais das mais variadas categorias.

Do outro lado, Santa Rita fez uma campanha absolutamente racional (até porque não dá pra ninguém ser contra o direito à vida). Elegeu mesmo a discussão do direito, mas à autodefesa, e levou o eleitor/cidadão a considerar situações reais em que poderia necessitar de uma arma, mas não poderia utilizá-la, porque estava proibido disso. Em contrapartida, mostrava que mesmo os que não gostam de armas podem apenas não comprá-las, sem prejuízo de nenhum direito seu.

A guerra de marketing travada na campanha do referendo também destruiu alguns mitos já absorvidos como verdades pela média da opinião pública. Um deles é o de que a Globo pode tudo neste país. Não pôde, apesar da campanha explícita que fez pelo “sim”, que teve uma acachapante derrota, como mostra o resultado da votação. Outro é o de que as pesquisas influenciam decisivamente os eleitores. Pelos números do início da campanha, informados acima, vê-se que essa influência não é verdadeira ou pelo menos não funcionou dessa vez.

Na guerra do marketing de conteúdo contra o da imagem (issue x image, como dizem os americanos, os papas do assunto na atualidade), venceu o conteúdo, porque a estratégia será sempre a vanguarda da ação, enquanto a forma, como tática, será sua retaguarda.

Embora haja muito mais a considerar do ponto de vista midiático sobre o marketing do referendo (como as posições assumidas abertamente por alguns dos principais veículos de comunicação do país), finalizo por hoje emprestando de Carlos Eduardo Lins da Silva a solução para o aparente hiato entre forma e conteúdo: “O que se pretende de um bom esquema de marketing?”, pergunta ele, para responder em seguida, é “que crie uma imagem positiva de seu produto (ou cliente), que seja capaz não só de lançá-lo às mais altas nuvens da popularidade quando o vento está a favor (caso da imagem), mas também de sustentá-lo em altura razoável quando o vento mudar de rumo (posicionamento)” (grifos meus).

...

Kleber Lima é jornalista em Cuiabá/MT -- E-mail: kleberlima@terra.com.br



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Comentários dos Leitores
Os textos dos leitores são apresentados na ordem decrescente de data. As opiniões aqui reproduzidas não expressam necessariamente a opinião do site, sendo de responsabilidade de seus autores.

Comentário de mederovsk (donquixote@estadao.com.br)
Em 26/10/2005, 08h17
CHORA PETELHADA
Reflexões sobre o Referendo
por Cândido Prunes em 26 de outubro de 2005

É impossível não lembrar a célebre frase do presidente americano Abraham Lincoln (1809 – 1865) diante do resultado do referendo de 23 de outubro: “Pode-se enganar todo mundo durante algum tempo, e certas pessoas durante todo o tempo, mas não se pode enganar todo o mundo todo o tempo". A resposta inequívoca (64%) dada pelos eleitores favorável à comercialização de armas propõe várias reflexões:

1) A população se deu conta de que o referendo era inútil diante das restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento à posse de armas, desde o final 2003. Atualmente, apenas quem for maior de 25 anos, sem antecedentes criminais, com ocupação lícita, endereço certo e comprovada qualificação psicológica e técnica é autorizado a comprar uma arma de pequeno calibre;

2) Os eleitores perceberam a manipulação dos que defendiam o “sim”: começando pela demagogia do referendo, passando pela pergunta capciosa, o apoio do “beautiful people” comprometido com o “politicamente correto” e terminando com as primeiras pesquisas de opinião que indicaram esmagadora vitória do “sim”;

3) Quem acompanhou os debates sobre o desarmamento dos cidadãos honestos pela internet já constatava que a maioria das pessoas se definira pelo “não”. Muito mais do que os minutos de “esclarecimento” no rádio e televisão, a internet foi o grande veículo para a divulgação de informações não manipuladas, distorcidas ou mentirosas. Valeria um estudo mais profundo sobre o efeito da internet na formação da opinião pública. Esse efeito certamente se fará sentir nas próximas eleições;

4) Algumas pesquisas questionáveis identificavam que homens brancos, de alta renda e escolaridade (a imagem da execrável “elite”) eram predominantemente favoráveis ao comércio de armas. O resultado do plebiscito demonstrou justamente o contrário. Até mesmo nas regiões de mais baixa escolaridade o “não” predominou;

5) O desprestígio das atuais autoridades federais também teve um importante papel, ainda que de difícil quantificação. Muitos eleitores, ao ouvirem o Presidente da República ou o Ministro da Justiça defenderem o “sim”, desconfiaram de que a proposta continha, no mínimo, um equívoco. Houve eleitores – e o seu número não deve ser desprezado - que simplesmente votaram “não” pelo prazer de contrariar o Governo; e

6) Os cidadãos demonstraram que não acreditam na capacidade do poder público de conter a violência dos criminosos. Não aceitaram delegar o tênue fio que a lei ainda lhes permite de legítima defesa para um aparelho policial que, na melhor das hipóteses, é ineficaz.

A resposta das urnas irá incitar algumas das lideranças derrotadas no referendo a clamar contra o “lobby da bala”, como se ele de fato tivesse existido e contado com volumosos recursos. A votação maciça e uniforme em todo o território nacional e em cada uma das urnas demonstrou, na verdade, que não é possível enganar todo o povo por todo o tempo. Um bom recado para quem for disputar eleições em 2006.

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