TEMA LIVRE : Serafim Praia Grande

Memórias Curibocas – O Apêrto
19/04/2006

O pai do Maurício alugou o espaço na frente da lojinha e começou a dar uma ajeitada no local. O filho chegou dias depois e eu notei que conhecia aquela cara de algum lugar. Tava longe das referências, na beira-mar, distante de tudo e de todos e isso não deixava de ser uma baita coincidência.

Não me apresentei. Deixei que as coisas corressem, ele também devia achar que estava em outro planeta, tendo que aprender os códigos locais. Falei com Poucaprosa sobre o fato e ela observou que também tinha conhecido o Maurício. No dia seguinte ele se chegou pra pedir uma informação e ficou espantado.

Mundo pequeno, esse nosso.

O rapaz tava casado com uma menina lindinha, que esticava a barriga delgada pra ressaltar que estava no início de uma gravidez. O que aumentava ainda mais a sua graça. O pai dele tinha vendido uns negócios no interior pra montar uma loja de motos pro filho, na tentativa de afastar o rapaz de amizades perigosas e das drogas. O casamento reforçava suas esperanças.

A rádio ficava a poucos metros dali e levei o casal pra conhecer, já que todo mundo tem curiosidade pra ver como funciona uma emissora por dentro. Eu arrumava uns trocos por ali que juntava com o dinheiro da lojinha e a gente ia vivendo. Maurício falou da necessidade de divulgar a sua agência e fizemos um acordo de compadres.

Passamos a nos dar apoio numa cidade estranha, a frequentar as casas e a acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos de cada um. Nos finais de semana ele já havia arregimentado uma turma para fazer motocross, um deles havia conseguido um terreno da prefeitura onde as máquinas cedidas pelo poder público criaram uma pista pra nenhum aficcionado do esporte botar defeito. Tudo era documentado para a rádio e o jornal do mesmo grupo empresarial.

A loja de motos começou a prosperar, ao contrário da lojinha em que Poucaprosa deveria se esforçar pra dar um impulso em nosso orçamento. Acabamos cerrando as portas pra não aumentar ainda mais o prejuízo e fiquei só com os trabalhos da rádio e os bicos do jornal. Poucaprosa foi fazer o que mais gostava: ser fiscal da natureza.

Mas Maurício, no meio da rapaziada do cross, terminou encontrando uma turma semelhante à de que o pai tinha tentado separá-lo. A droga logo entrou no circuito e a esposa grávida mostrou que era solidária com o marido. O casal se afastou e criou outros vínculos na cidade.

Um dia, como a rádio estivesse cobrando as faturas da agência de motos, fui procurar o Maurício para tentar um acerto. Não estava na loja, fui até a casa dele. Patrícia, a esposa, me recebeu vestindo uma camisolinha curta, exibindo a barriga de dois meses. Disse que ele logo chegaria e trouxe uma cerveja pra amenizar o calor. Em pé na varanda, eu olhava o caminho por onde Maurício deveria chegar quando ela se aproximou, postou-se à minha frente e fingiu estar observando ao longe. Encostou-se em mim devagarinho, de costas, e suas mãos executaram movimentos precisos e cadenciados. Ela se ajoelhou ali mesmo na varanda, com avidez e determinação.

Cheguei em casa ainda meio fora da realidade. Poucaprosa, como de hábito, nada notou nem perguntou. Nunca mais ví o casal, que soube ter ido embora da cidade dias depois. Paguei a dívida da rádio com parte das minhas comissões.

...

Serafim Praia Grande é sócio-atleta da equipe olímpica de Arremesso de Bituca do SuperSiteGood.

Compartilhe: