Tava todo mundo reunido no Covil, boteco de estimação logo ao lado do Hotel d´Além Mar –- quase dois mil quilômetros longe do oceano, para desespero de seu proprietário, ex-marujo sem conseguir içar velas fazia décadas.
Repito: todo mundo em ato de contrição ao redor de copos e garrafas no Covil das Antas, popularmente só Covil, mesmo, discutindo se haveria uma comissão de frente a ser nomeada para representar os presentes e os ausentes diante do túmulo do finado companheiro Anacleto. Anacleto Fundo-Seco, grande figura!

Mais uma rodada e chega Coxa-Grossa no ambiente, esquentando as apostas de que aquele dia iria render.
Rebimbela, tomando pinga com catuaba e ingerindo goladas de cerveja como quem busca oxigênio pra respirar, mirou suas butucas rútilas pra cima da musa inspiradora e ouviu-se um grunhido feroz. A musa era de outro e ele entendeu que podia olhar à vontade, mas ficasse nisso, ora, ora.

E nada se deliberava.
Cheiroso, nosso câmera-man predileto, chegando de uma gravação com políticos que pranteavam figuras ilustres e deitavam falação sobre as qualidades inenarráveis dos falecidos, estava com ânsias e precisou ser acudido com duas goladas fundas e certeiras de uma bem-gelada matadeira. Sorriu.

O impasse, no entanto, continuava.
Maciste garantiu que iria se pudesse mijar no túmulo. Houve um princípio de revolta que poderia desandar em linchamento se alguém ali fosse do mal. O máximo que ocorreu foi o cidadão debochado levar uma azeitona na testa.
Pontaria assim, só mesmo o Vavá.

Vavá Q. Depois e sua inseparável companheira Jajá Heuvou. Não que ele fosse, assim, um gago desses de anedota. Era um gago romântico, só gaguejava quando ela ameaçava chegar, quando seu inebriante perfume se espalhava pelo ambiente e ele sabia que logo seria abraçado, beijado, mimado. Um homem feliz.

No entanto, ninguém havia chegado a conclusão nenhuma. Iriam ou não ao Campo Santo prestar justa homenagem ao sócio-atleta do clube tão tragicamente funerado? Silêncio...sepulcral.

Três horas e quatro engradados depois, eis que Neném de Juja resolve pedir a palavra. Erguem-se copos, ouvem-se risadinhas, é pedido respeito e silêncio para o pronunciamento de sua excelentíssima pessoa. Neném se levanta, apóia as mãos na mesa, olha nos olhos de um por um, coloca as mãos enlaçadas sobre o peito como se fora orar ou cantar o Hino Nacional e...solta um monumental arroto.
Tumulto geral. Princípio de hecatombe. Até a mãe de alguém chegou a ser lembrada. Nova rodada, ânimos apaziguados, Adamastor, que até então só tinha aberto a boca pra virar o copo e mastigar tira-gostos, bradou:

-- Proponho um brinde ao glorioso Anacleto, como prova de amor e carinho e de eterna amizade, que Deus o tenha na glória das alturas e que haja muita cerva onde ele se encontra e que seja pra sempre feliz, amém!

-- AMÉM!!!!, disseram todos em coro.

E o dia de Finados amanheceu com uma chuvinha fina ensopando as cabeças da rapaziada do Covil, cantando as músicas preferidas do amigo que se fora e tomando todas em homenagem ao grande Fundo-Seco. Quer melhor?

...

*Serafim Praia Grande é ¨sócio-atreta¨ da Equipe Olímpica do Saite Bão

Compartilhe: