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RELEITURA
Um fiador generoso
01/02/2017
- O ESTADO DE S.PAULO
Qualquer pessoa que já tenha alugado um imóvel ou tomado um empréstimo bancário provavelmente passou – com alguma dose de acanhamento – pela experiência de pedir a um familiar ou amigo a garantia da fiança.
Do latim “fides”, que deu origem ao verbo “confiar”, ser fiador de alguém é, em última análise, um ato que extrapola a generosidade entre parentes e amigos. É um ato de fé no outro.
Geralmente, estabelece-se uma relação de cuidado mútuo entre fiador e afiançado. O primeiro, cercando-se de garantias antes de abonar alguém e responsabilizar-se pelo cumprimento de suas obrigações. E o segundo, empregando todos os esforços para honrar a confiança recebida e não manchar a própria reputação.
Mas tanto o constrangimento como o empenho no adimplemento das obrigações não parecem ser os mesmos quando se trata da relação fiduciária entre a União e os entes federativos.
É o que se pode observar do relatório da Secretaria do Tesouro Nacional divulgado no último dia 25. De acordo com o documento, as garantias concedidas pela União a empréstimos de Estados e municípios totalizaram R$ 287,2 bilhões em dezembro do ano passado.
O valor é menor do que o registrado em 2015 (R$ 305,5 bilhões), mas ainda expressivo o bastante para indicar a generosidade do Tesouro como fiador da política fiscal de governadores e prefeitos.
Os maiores beneficiários da munificência do Tesouro foram os Estados, que, juntos, representam 73% do saldo devedor (R$ 156,74 bilhões).
“Bancos e estatais federais representam, cada grupo, 9% do saldo total. Os municípios detêm 6,8% (R$ 14,68 bilhões) e as entidades controladas, 2,2% (R$ 4,81 bilhões)”, informou o governo.
O que chama a atenção é o aumento de 294% das operações financeiras com garantias da União contraídas pelos municípios entre 2015 e 2016.
Segundo fontes do Tesouro ouvidas pelo jornal Valor, a crise fiscal de 2015 levou a Fazenda, então sob o comando de Nelson Barbosa, a flexibilizar a política de liberação das operações de crédito com gara ntias da União, que sob a gestão de Joaquim Levy encontrava barreiras alinhadas à política de austeridade que o ex-ministro, em vão, tentou implementar.
O resultado foi o aumento do saldo devedor dos municípios de R$ 482 milhões em 2015 para R$ 1,9 bilhão em 2016.
Segundo Guilherme Mercês, economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), também ouvido pelo Valor, “a Lei de Responsabilidade Fiscal diz que no último ano de mandato – no caso, 2016 – o prefeito não pode entregar a prefeitura com mais restos a pagar do que recursos em caixa”.
O resultado foi a busca desenfreada por recursos no mercado financeiro para que as prefeituras fechassem suas contas no azul e os prefeitos não fossem responsabilizados por descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
As dívidas dos municípios foram contraídas, majoritariamente, com instituições financeiras externas, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).
Foi R$ 1,8 bilhão oriundo destas instituições contra R$ 109 milhões em contratos com bancos brasileiros.
Os contribuintes assistem com apreensão aos avanços e retrocessos das tratativas para chegar a um acordo de renegociação das dívidas dos Estados com a União e às intricadas repercussões que esses novos contratos têm no Judiciário.
Incluir centenas de municípios nessa complicada equação é um mal que – a todo custo – se deve evitar.
O socorro financeiro da União, nos casos em que couber, deve vir acompanhado por contrapartidas dos entes socorridos que tenham, antes de tudo, um efeito pedagógico.
Ao governo cumpre a salutar medida de retomar o endurecimento da política de concessão de garantias e, assim, forçar os prefeitos a adequarem a gestão dos orçamentos sob suas responsabilidades às receitas que cabem aos municípios que administram.
Somente assim a crise que hoje castiga os Estados não ganhará dimensões ainda mais calamitosas, multiplicando-se pelos municípios.
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