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comTEXTO : 31 de Março, 1964

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31 de Março, 1964
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23/10/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO XXXIV

A volta não a fez pelo mesmo caminho que veio, tinha anoitecido mas a luz ainda era clara quando chegou ao Leblon, onde tudo parecia de volta aos seus lugares, um grande alívio. Deslizara nas ruas, dirigira convicto de que Desdê não cabia mais em seu coração, como se viajara ao seu lado uma forma inferior de vida, dúbia e enganosa, digna de desprezo etéreo ou material, um fantasma que não fazia parte de nada e não tinha mais nada à oferecer, muito diferente daquela que ele pensara conhecer.

Não estava mais interessado nela, não entendiam mais um ao outro, não tinham nada a dizer e o caso estava encerrado, seu coração em paz, e foi então que começou a cantar ¨tudo acabado entre nós¨, o samba-canção feito por Erivelton Martins, por vingança, aprendera-o na infância e sabia que a ferida seria curada em curto prazo. A mãe cantava sempre e cantarolando, graças à música olhava sem pena nem emoção nenhuma para uma insignificante e inexpressiva Desdêmona, sem remorso ou arrependimento.

Ainda bem, não fora humilhado publicamente!

Que iriam pensar as pessoas do Conjunto?

Afinal, o que tinha a perder além do orgulho?

Ainda assim fora duro perceber que pessoas como Desdêmona podiam ocultar o que quisessem, e tudo não passaria de representação.

Enfim, ela não era para ele e só restava aceitar.

Em apenas algumas horas, tudo estava muito mudado.

Num rápido exame de consciência constatou que nunca agira assim, mas a verdade oculta era que não encontrara nela afinidade nenhuma, que não a conhecia, a diferença de propósitos, não acreditavam nas mesmas coisas, ainda bem, fazendo com que a desilusão gerasse mais ansiedade do que raiva:

¨Você não precisava bulir comigo desse jeito e depois estragar tudo¨, ele disse e a linguagem, as palavras comuns no Nordeste provocaram nela uma grande e presunçosa gargalhada:

¨Bulir! Estragar! Isso quem fala é Paraíba...”

¨Paraíba é a mãe!¨, teve vontade de dizer.

Consciente de que tudo o que fizera com e por ela, fizera-o levado por um tipo especial de ilusão, o de tentar ser feliz, ainda assim não conseguia parar de pensar no que tinha na cabeça para ter-se aproximado de mulher tão víbora: ¨Ainda bem que ela não chegou a ser indispensável¨, concluiu. Esqueceria rápido e com facilidade reassumira o controle e, de volta à ação, mais sozinho do que antes, passaria a vê-la como um desperdício oportunista, um incidente desfavorável, uma decepção particular, ou melhor, radicalizou, a pior coisa que lhe ocorrera no Rio.

Só dessa maneira se recuperaria rapidamente.

Só cuidava do volante, o carro parecia flutuar como na fuga silenciosa do túnel congestionado em 81/2 e o mais importante na imagem feliniana que lhe veio foi a sensação de superar algo significativo e que realmente fizera algo útil naquela tarde. Recuperava-se na lembrança de 81/2, parecia em câmara lenta a música de Nino Rota, com o menino à frente banda na despedida do filme, a flauta, simbolizando um final perfeito para a angústia do fim do seu envolvimento com Desdêmona, que voltaria a ser uma desconhecida, por ter-se revelado verdadeira, o que estranhamente o fazia sentir-se livre, aliviado como se houvesse rompido a barreira da rejeição.

Terminando esse enorme pesadelo, com calma analisaria os danos que ela lhe causara. Talvez para compensar, falava sozinho para si mesmo que, ainda que no ocaso da democracia, se sentia mas feliz na volta do que na ida.

¨Eu lamento que isso tenha acontecido, mas, quando eu encontrar você de novo, vou fingir que não conheço¨.

¨Não me arrependo do que fiz¨, respondeu rapidamente Desdêmona e depois dessa ele não quis ouvir mais nada. O resto foi silêncio.

Em se tratando do comportamento das mulheres, ainda tinha muito que aprender, entretanto não se importaria mais se a desilusão fizesse parte do seu processo de aprendizado, já que nada era verdade, de repente, só oportunismo.

Frustrado, envolto em profundo embora agradável desânimo, a viagem de volta seguia menos divertida, praticamente não havia carro nenhum nas avenidas e ruas, ainda mais tristes, vazias. Por ter saído inteiro do ataque de pânico, embora muito emocionado com a decepção o ocorrido fizera com que o dia valesse à pena. Às 5 e meia da tarde dirigia em Copacabana, na avenida Atlântica, e por volta das seis chegou ao Leblon.

Não pôde deixar de notar que os ônibus elétricos circulavam.

Ao estacionar o Gordini em frente ao bar do Manolo, a radiopatrulha não estava mais lá e havia pouca gente dentro ou fora, deduziu que conforme o tempo passava a vida e a cidade retornava aos poucos o ritmo normal.

¨Que tal estás? Fuistes às compras? Pareces cansado¨, e o espanhol não estava interessado nas sacolas que ele carregava, percebera seu ânimo. Manolo já sabia o que estava acontecendo, o que nos dias seguintes provavelmente todos saberiam.

¨Passei no supermercado, fiz umas compras, sim¨.

Em seguida, a pé, tendo deixado o Dauphine estacionado na rua, em frente ao bar, sem se despedir nem se comunicar, apressada, Desdê, passou por eles, evitou olhá-los e essa foi última vez que a viu de perto.
Não esperava vê-la mais naquele dia, e revê-la significou muito, que não havia mais em seu coração espaço para ela, seu brilho apagara-se.
Aparentando ter recuperado a paz, com uma expressão marota na face, sorridente, Desdêmona voltara do lugar aonde fora com outra pessoa, um rapaz negro, alto e magro.

¨Lá vai a gata com outro, Manolo¨, observou sorrindo, amistoso, Porrada Segura, o fã de rock and roll.

¨A vizinhança todinha a conhece, jornalista¨, e Porrada Segura falava com ele, ¨é que tu é fora, está por fora¨

Qualquer vestígio do que acontecera, fora apagado, e mesmo que não quisesse admitir, devia ter imaginado a verdade que outra vez saltava aos olhos, que ele não era importante para ela. Desdêmona mudara, perdera sua magia, estava diferente; tornara-se indesejada.

¨Este tipo también és maleante, ella sempre encuentra alguien para salvá-la¨, soprou Manolo, ¨és bien de su estilo¨.

Com natural espontaneidade, franzindo o senho, levantando as grossas sobrancelhas, ao indagar-lhe ´adonde y cuando´ a conhecera, o espanhol deixou escapar:

¨La estás tirando?¨

¨Que disse, Manolo?¨

O espanhol parou, entendeu que não devia ter falado e tentou emendar:

¨Este tipo de mujer és bueno tenerla por respalda. Supo de unas cosas y las cosas acaban vazando, pero por su cara, devo decirte que no lo seas ingênuo ou vítima ni tampoco te dejes destruir-te por ella. No se puede amar la persona erada¨...

¨Que é que é isso, Manolo? Que coisas?! Quem é essa menina? Diga-me que diabo tem essa mulher?¨

¨Para hablar la verdad, yo no lo se, olvidate; so lo se de una cosa, que su comportamiento llama mucha atención, não es bien visto por acá, no Conjunto. Ela é muito exposta; é de badalação e se no descubristes todavia quien ella es, vais a descobrir luego¨.

Como se dissesse para si mesmo, murmurou:

¨No devia tener hablado¨.

¨Conhecia-a outro dia, Manolo, e como ela não tem carta de motorista, me pediu e dirigi para ela¨.

¨Ah!, si, si, yo lo se¨, respondeu como quem não queria nada e tentando mudar de assunto, contou que logo depois de sua saída os tiras haviam se ido e não houve mais nenhuma confusão.

De qualquer modo, voltou ao assunto Desdêmona:

¨Do que é que você está falando, Manolo? Que é que há com a Desdê?¨

¨Nada, suspeita, apenas, pero no dejes que ella tire provecho de tu, no lo hagas com ella acuerdos de mentira. A veces es mejor não contar tudo, mas esta garota vive se metendo em apuros, tem uma ficha, oh!, imensa! Ella es muy exibida, muy metida, só cria confusão, no se queda lejos de encrenca...Lo que será que está tramando contigo, para ti? Sabias que ella tiene uma paixão loca por um cara daqui, casado, que trabalha com seguros¨

¨Mora em que bloco?¨, perguntou, mas o que gostaria de fazer, mesmo, seria correr dali, refugiar-se no Jardim de Alá.

¨No seu¨.

Perplexo, apunhalado, nada mais havia a fazer, senão agradecer:

¨Obrigado, Manolo, mas quanto a sua suspeita sobre se houve algo entre mim e ela, seja qual for, não deixa de ser sensata, só que não houve nada. Mal a conheço, juro... Eu, pelo menos, prefiro não saber nada dessa mulher, seria decepção demais para um dia só. Tenho que pôr um fim nisso¨.

¨Ella siempre supo enrolar los hombres¨.

¨O que você disse, Manolo?¨

¨Não sei do que se trata, já disse, pero, és mejor asi. No pienses en ella, só enfraquece su mente; ella já traiu a confiança de muita gente, sua fama de piranha é conhecida. Se já tienes muchos problemas, por que ibas querer outro?, y además de ser hablada por todos, esta chica és, desde hace mucho, una bundeira, se la havia prometido a otros; vive farreando, essa conversa dela é antiga¨.

...

Leia amanhã o Capítulo XXXV

Jornalista, escritor e poeta norte-rio-grandense

  

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