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Curto&Grosso O que ainda será manchete

comTEXTO : 31 de Março, 1964

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02/11/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO XLIV

O dirigente sabia mexer com a mente, ficava só olhando e de repente dava uma opinião:

¨Nossas proposições teóricas não se baseiam de forma alguma em idéias, em princípios inventados ou descobertos por esse ou aquele reformador do mundo. Como disse Marx no Manifesto, quer ver, eu lhe mostro¨, e, folheando-o rapidamente, leu um trecho do capítulo Proletários e Comunistas, ¨são apenas a expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes já existente, de um movimento histórico que se desenrola sob nossos olhos; a abolição das relações de propriedade que até agora existiram não é a característica ou distintivo do comunismo e neste sentido podemos resumir nossa teoria numa única expressão, ou seja, abolição da propriedade privada, e, aliás, é bom lembrar que o comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar dos produtos sociais, o que o comunismo fará, e uso o verbo no futuro, pela inevitabilidade, é eliminar o poder de subjugar o trabalho alheio por meio dessa apropriação. Meu companheirinho, o socialismo é uma obra de arte de solidariedade humana, arte de reconstrução do ser humano, que está dentro de cada um, vem do inconsciente, e está é a única maneira de haver liberdade total, e é nesse aspecto que os fins justificam os meios. O sonho de todo marxista é unir a humanidade numa grande fraternidade universal”

“Nós”, interveio Sarita, que se sentara no chão, ao seu lado, “somos apenas contra a selvageria do capitalismo sem responsabilidade humana nem social, só consigo mesmo, que afasta o ser humano da felicidade, com a ciência da exploração e com um objetivo específico, o lucro; é responsabilidade pessoal. O que seria o verdadeiro comunismo senão a realização prática do sonho idealista do homem novo, o sonho do iluminista alemão, Imanuel Kant, no qual os homens não serão tratados pelos outros como meios, mas como fins, onde ao estado caberá a missão fundamental de planejar a economia e socializar os bens de produção, ao contrário do que se vê em nossos dias. Ao explicar que o regime econômico é a origem das desigualdades sociais, em A República, Platão foi quem primeiro falou em comunismo, pregou, inclusive, a propriedade comum; mais tarde, quase vinte séculos depois, na Inglaterra, Thomas defendeu um tipo de sociedade em harmonia, em que a produção seria coletiva, mas quem melhor questionou a realidade da sociedade no combate aos mistificadores e suas fórmulas para solucionar os problemas sociais, foi um alemão, doutor em direito e filosofia pelas universidades de Bonn e Berlim, o nosso Karl Friedrich Marx, ele e seu amigo Friedrich Engels nos legaram algo muito valioso, o socialismo científico, que é filho do materialismo histórico, da dialética marxista, em constante movimento, para sempre uma mudança permanente, a luta em contínua evolução. Karl Marx não só pensou numa sociedade igualitária, sem classes, como também na forma de transformá-la e a maneira de como fazê-lo, com práticas revolucionárias adequadas, voltadas para uma revolução para construir uma república democrática verdadeira, uma sociedade passível de ser construída cientificamente, longe das religiões, dentro de um padrão de humanidade que incorpore o bem-estar à justiça social.¨

¨Nossa geração fará isso?¨

¨Não sei, mas, alguma fará, cedo ou tarde”, respondeu Sara.

“Para mim nada é certo, só a revolução, mas, voltemos a Marx. Ele sabia, assim como nós, que religião e política são duas coisas opostas, a primeira tem o dogma da fé, o ‘sacrificium intellectus’, reconhecimento incondicional de um fato íntimo irracional, conforme aquele que foi aluno do Freud, Jung, definiu, e muito bem, enquanto política é a lógica ou arte de governar¨.

¨Posso fazer uma observação, e nem é minha¨, interrompeu o potiguar, ¨é de um companheiro natalense, ‘seu” Zé Aguinaldo, que dizia que só quando os meios de produção puderem ser usados nas quantidades que a humanidade realmente necessitar e quando a propriedade privada for totalmente abolida, é que a sociedade começará a ser transformada, de forma gradual¨.

“Decorou bem, companheirinho”, e Sarita ria, feliz, enquanto o dirigente continuava, sentado no chão com uma taça de vinho na mão, as pernas cruzadas, esticadas.

¨Dionísio, d(eu)s do vinho e do prazer, vai nos inspirar” e foi como se bocejasse, um desabafo de esperança.

“Sabe? Há quem diga que o marxismo é uma utopia ou apenas uma das interpretações econômicas da História, mas é aí que se enganam porque é mais que isso, o marxismo é um ideal ético incompatível com dogmas ou preconceitos, não se enquadra entre bem e mal, o certo ou o errado. Para nós, mais importante que interpretar o mundo, é transformá-lo. É preciso ver o marxismo além de simples filosofia, porque ele é mais do que um tratado filosófico, histórico, ideológico”.

Silêncio. O dirigente dirigia-se a ele: “O marxismo é uma doutrina viva, criadora, que analise crítica e dinamicamente a história, que pode levar a mil e uma conclusões, e, no entanto, só à uma constatação, a de que a luta de classe existe, se desenvolve diariamente sob nossos olhos. O marxismo é uma idéia construtiva, companheiro, ela se renova e é renovada continuamente, e o Partido Comunista Brasileiro, o PCB somos nós, somos apenas um grupo de indivíduos trabalhando juntos por um objetivo e temos de ir além, porque nossa missão comum é subverter a ordem social existente, é estar à frente da revolução, é explicar aos nossos aliados os erros de sua tática, de forma paciente, sistemática, persistente e adaptada especialmente à busca da justiça social, às necessidades práticas das massas, mas isso, está provado, é impossível com Goulart, um anticomunista, mas, quem dirá quanto os militares que hoje o derrubam? Quem serão? Às vezes, penso que dão o golpe porque Jango foi criado na tradição de Vargas, e nunca pudemos fazer nada, de fato. Ele não sabe nem pudemos convencê-lo de que não estamos em 1917, na Rússia, que nossa luta é contra o capitalismo, e à frente deste está o imperialismo norte-americano, e ao menos quanto isso Goulart poderia nos permitir como aliados, e diga-se, ele foi leal conosco, apesar de não ser nem gostar de comunista, isso eu sei porque já discutimos com o próprio¨.

Jaimovich tinha a língua meio presa, as sílabas complexas ficavam meio presas, por um instante, presas ao céu da boca:

¨Ser socialista é pensar no outro, companheirinho¨, disse Sarita, ¨não dá para pensar na carreira. Não podemos ser passionais e a questão é concreta: o verdadeiro comunista não quer o poder para si, é para os demais, não temos ambições políticas pessoais nessa luta que só pode ser ganha com sacrifício ¨.

¨Aonde eu for serei sempre comunista¨, e o nordestino começou a falar: ¨O pobre quanto mais miserável menos ganha, por isso só têm a ganhar com o socialismo, milhares, milhões passam fome¨.

¨Sim!? E o que você quer dizer com isso?¨, indagou Humberto que, tal qual os demais, não entendera o comentário.

¨Quero dizer que o socialismo é bom para os pobres, ora bolas! Não é?¨, perguntou, obstinado.

¨Se não houvesse a posse talvez não teriam eu, o ego, o ser humano seria feliz, o governo dos capitalistas é o pior inimigo dos pobres, da paz e do socialismo.¨

Todos riram, Humberto fez uma brincadeira, dizendo que o proletariado queria mesmo era melhorar de vida, que queria mesmo era ser burguês, ganhar dinheiro, e o dirigente prosseguiu:

¨E de certa forma o companheirinho tem razão porque foi a partir da atitude verdadeiramente revolucionária de Marx que o mundo começou a sofrer mudanças reais e mais velozes, porque, ao aplicar a dialética à História ele provou que toda a história tem sido uma história de luta de classes, entre as classes dominantes e as classes dominadas; entre as classes exploradas e as exploradoras, e que toda produção nasce do desenvolvimento histórico, por isso, é sempre social, porque resulta de fenômenos econômicos, do desenvolvimento histórico. Marx provou que o trabalho assalariado não cria qualquer tipo de propriedade para o trabalhador, e é isso o que torna o capitalismo um regime social injusto, que o pobre a vender-se ao rico, já que salário nada mais é do que o preço dado a uma mercadoria, e que pode ser comprado como uma mercadoria qualquer. Veja, se antigamente o escravo era vendido para sempre a uma pessoa, suas condições de vida dependem totalmente da venda do seu trabalho, não do lucro originado pelo capital; máquina, o operário é obrigado a se vender por hora, por dia ou por mês, mas Marx também mostrou que é a partir deles dos operários, do progresso que sai de suas mãos nas indústrias, fábricas, minas, fazendas, em qualquer lugar onde haja a palavra salário, que se poderá começar a pensar em mudar a feição do mundo. Por exemplo, a sociedade primitiva tinha o senhor e o escravo e desse conflito Marx elaborou uma síntese que, ao ser negada transforma-se numa nova tese, que é a própria sociedade capitalista, fundamentada também na mesma dualidade de senhor e escravo, só que sob os nomes de capital e trabalho”

“É bom ressaltar, Jaime, e ensina isso logo ao nordestino”, interrompeu Sarita:

“Todos os sistemas tendem a desaparecer e serem destruídos por outros, por trazerem dentro de si mesmos os embriões da sua própria destruição¨.

¨E assim falou Marx!¨, brincou Humberto.

¨Capital e trabalho¨, disse Humberto, ¨são contradições permanentes, não é? Uma destruirá a outra, seja qual for o tipo de Estado, e o que Marx e Engels escreveram em 1847 no Manifesto Comunista ainda é atual, que o poder político do Estado moderno nada ais é do que um comitê administrador dos negócios comuns da classe burguesa, um mecanismo institucional de domínio de uma classe sobre outras. É exatamente isso o que estamos vendo hoje, os militares estão tomando o Estado; faço votos que sejam realmente nacionalistas, não caiam no jogo da guerra ideológica e o entreguem ao imperialismo. Lenine previu essa etapa, a etapa superior do capitalismo, esta etapa em que vivemos, em que os Estados capitalistas lutam entre si para expandir-se, isoladamente ou em blocos, aí estão os Estados unidos competindo com os países mais pobres, impedindo que os países subdesenvolvidos se desenvolvam, impondo doutrinas de livre comércio e livre concorrência, acordos alfandegários, sem jamais deixar de utilizar barreiras tarifárias para proteger a economia e os salários e internos¨.

¨Ainda não estudamos a dialética marxista, o pessoal que ficou em Natal deve estar estudando agora, mas, eu tive que cair fora¨.

Sarita aproveitou:

¨A dialética marxista é a prática da inovação permanente, é arma que nos permite sonhar, com ela é possível penetrar na essência dos problemas mais complexos da vida, da filosofia, da natureza e do homem, abre perspectiva a um processo histórico que poderá mudar a existência humana e nos levar à construção de uma sociedade melhor, se distinção de sexo, igualitária e coletiva como a sociedade primitiva, fraterna, com boas leis, em que a criança poderá sorrir e o trabalhador ter sua casa, seu trabalho e descobrir o quanto é belo desfrutar a vida e não só trabalhar, trabalhar, em nome da necessidade consumista capitalista em que as palavras de ordem são comprar, consumir, gastar para dar lucro a alguém. O capitalismo foi criado para nos destruir, só consome e os recursos do planeta são limitados¨.

¨Dialética é o processo de interrogação recíproca, companheiro¨, disse Humberto, parecia um professor dando aula:

¨Serve para que examinemos as perspectivas conflitantes e sua função é trazer à tona as contradições permanentes da luta constante dos contrários, num processo de infinita mutação em que tudo pode ser tese, antítese e síntese, simultaneamente, cada estágio negando o anterior e convertendo-se e opostos até à síntese, a qual negará não apenas a antítese, as converter-se-á numa nova tese e assim por diante, sucessivamente, mudando permanentemente ¨.

¨Não parece loucura?¨, perguntou Sarita, ¨mas não é nada disso, é ciência. Na dialética marxista, duas coisas opostas ao se juntarem formam uma terceira, sem que cada uma delas, em mutação contínua, perca seu próprio significado e nesse processo, todas as coisas crescem, transformam e torna a desenvolver-se, cada movimento produzindo uma reação automática ao seu contrário, e do conflito entre os opostos, da tese e da antítese, embora continuando preservada a essência da tese, resulta uma síntese. Ou seja, companheirinho, a dialética marxista é a verdadeira revolução permanente¨.

...

Leia amanhã o Capítulo XLV

Jornalista, escritor e poeta norte-rio-grandense

  

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