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comTEXTO : 31 de Março, 1964

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31 de Março, 1964
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O dia do golpe
31/10/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO XLII

O golpe vindo de Minas e São Paulo espalhara-se por todo o país.

Se à noite, a tensão aumentara, mas àquela hora, quase madrugada de 31 de março, tudo já estava perdido.

¨O Exército espalhou-se por locais estratégicos da capital¨, disse o dirigente, lendo anotações feitas dos jornais trazidos por Sarita ou tiradas do que ouvira nas rádios, e ele as ouvira mais que os outros ¨e as tropas da PM, evidentemente, favoráveis ao governador, já ocuparam outras áreas¨.

¨E esse golpe, que a CNBB, a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, está incensando¨, complementou Sarita, ¨a Escola Superior de Guerra havia planejado para maio, mas antecipou, pelo clima criado com o motim dos marinheiros, mas, principalmente, pelo comício de ontem, dos sargentos. Eles estavam só esperando um pretexto, e Goulart cometeu uma série de erros, e agora o golpe servirá como um grave precedente para todo o continente, nessa guerra que é de rapina, indiscutivelmente, imperialista¨.

Humberto comentou, ¨a conspiração começou na renúncia de Jânio¨ e ela discordou, disse que ¨foi bem antes de Jango chegar à Presidência, quando o marechal Odylio Denys era ministro da Guerra, em 1961, e considerou-o pró-comunista, vetando-lhe a posse. Goulart sabia, esse golpe estava sendo articulado desde 1961¨.

¨E agora, quem é o avalista moral desse golpe, dado pelo do Exército?¨

¨Quem começou a conspirar quando era comandante da segunda Região Militar, em São Paulo¨, respondeu o dirigente, ¨o general Amaury Kruel, compadre de Goulart¨, disse e explicou que isso começou quando Goulart rejeitou a proposta de romper publicamente com o movimento sindical, negou-se a fazer uma declaração anticomunista e não puniu os marinheiros revoltosos, conforme, aliás, lhe sugerira Juscelino:

¨Ele respondeu que se o fizesse teria demonstrado medo e que com medo não se governa um país, e ele disse ao compadre Kruel, está no jornal:

¨Tu sabes muito bem que eu não sou comunista!¨

¨Se falharam as articulações do governo para fortalecer suas bases nos quartéis, Goulart é o único culpado¨, observou Humberto, ¨por não funcionar um dispositivo militar que ele próprio montou, mas, como para os militares não era mais necessária nenhuma justificativa, com os erros que foram se acumulando, e o ponto culminante foi o levante dos sargentos, e agora, dos marinheiros; e se não puniu os marinheiros amotinados desde a sexta-feira santa, ao se solidarizar ontem à noite numa assembléia pública com os sargentos, simplesmente ele subverteu a hierarquia militar, não fora isso, eu juro que não haveria condições para esse golpe, a greve geral teria vingado, Mourão Filho seria preso...¨

¨O discurso de ontem contribuiu muito, não foi?¨, disse o nordestino, perguntando-lhes em seguida:

¨Como vocês sabem de tudo isso?¨

¨Que gracinha, não é?! Você ainda é muito verdinho, menino. A gente tem que trabalhar esse talento¨, e ao dizer isso passou as mãos no seu rosto, ¨de onde você é, mesmo?¨, perguntou Sara.

Inteligente e rápida, sua presença tinha impressionante poder físico, fazia com que ele quisesse se empenhar na conversa, aprender mais, porque ela deixava espaço para a inserção de novas idéias, perguntas, ainda que fossem as suas ingênuas e óbvias:

¨Sou de Natal, é uma cidade pequena, capital do Rio Grande do Norte¨.

¨Nós conhecemos¨, adiantou Sarita, ¨estivemos lá no ano passado, e é muito linda, sua cidade¨.

¨A televisão só chegou lá no ano passado¨, tentou prosseguir, mas ela queria falar de Natal:

¨Fomos conhecer o programa De Pé No Chão Também Se Aprende a Ler, do prefeito Djalma Maranhão, irmão de um companheiro nosso, Luís Ignácio, aliás, Secretário Geral do Comitê Estadual. Fomos eu, Jaime e uma outra pessoa¨.

¨É, ele me falou qualquer coisa, mas não disse que vocês foram juntos¨.

¨Adoramos Natal! Particularmente, adorei uma pessoa inesquecível, Luís da Câmara Cascudo, visitei-o no casarão onde mora, numa ladeira, ao lado de um jornal. Que homem! Está fora do seu tempo, é mais que um gênio, um mestre, uma fonte de sabedoria. Sabia que ele é muito famoso fora de Natal? Você não faz idéia, é um dos maiores nomes da literatura brasileira. Você deve se orgulhar dele, é um grande escritor, sabe tudo de tudo, e de etimologia, então! Jaimovich quis saber de onde vem a expressão fela da puta, que vocês usam muito por lá, achava que vinha de “fellow”, que em inglês quer dizer colega, ele achava que era uma seqüela da passagem dos soldados americanos por Natal, na segunda guerra, mas não é nada disso, ficamos sabendo que vem de felá, de felação, de chupar ou lamber o órgão sexual. O povo é incrível, se o sujeito é muito ruim, ele fela, ele chupa vagina de prostituta. Quer coisa pior? Ficamos quase uma tarde inteira com o Mestre, autografou meu exemplar do Dicionário do Folclore Brasileiro, falamos de vários temas, quer ver? Por exemplo, comemoração vem e diz respeito à memória, à lembrança de algo, mas, deixa pra lá, o professor é assunto para outra vez. Por quê você deixou Natal?¨

¨Precisão¨.

¨Já sei, não quer falar, mas abra o seu coração. Você deve ter muita saudade de Natal, não é?¨

¨Nem me fale! Vou ter saudades sempre. Tenho saudade de Natal, sim, mas, não posso fazer nada. Bom, mas voltando ao que eu ia falar, da minha experiência. Aprendi muito, observando, e mal pulei no marxismo fui direto para a prática, sem muitas teorias. Fiz a escolha porque para mim o marxismo é a única coisa em que acredito, é com que consigo me identificar, é a motivação de tudo o que faço, conscientizou-me, sabe? De que é possível, que é a única coisa capaz, que pode acabar com a miséria, a exploração, de fazer com que cada um trabalhe para viver, não para acumular. O marxismo me deu essa consciência, vi isso em Angicos, eu sentia e acreditava no que estava fazendo, pregando aos meus alunos que viviam, sempre viveram na derrota, e não o fiz como se desse esmolas, foi para fazer com que cada um acordasse. O anticomunismo é muito forte, em Natal, sabe? É uma cidade de pouca atividade econômica, pacata, vive perdida naquele litoral esquecido da costa nordestina, só passou a existir depois da 2ª Guerra, a televisão, como já disse, só chegou lá no ano passado¨.

Percebendo o seu mal estar por estar explicando coisas que todos já pareciam saber, com sua visão mais ampla, o dirigente, uma pessoa que assumia tudo com calma, observou:

¨Há algumas questões essenciais que precisam ser compreendidas¨.

De acordo com a sua análise, em função das expectativas até ali criadas na população e pela análise das possibilidades, o máximo que estaria acontecendo, em todo o país, seriam algumas manifestações estudantis isoladas, e mais nada.

¨Não é possível aprender simplesmente observando¨, disse Sarita. ¨Você tem lido muito, ultimamente?¨

E continuou a interrogá-lo:

¨Me explica, companheiro, qual foi a sua função na Juventude? O que você realmente sabe disso que acontece no país, o golpe? Pode se abrir, vai, estamos em casa¨, e não era uma pergunta retórica, Sarita queria mesmo saber.

¨Olha, sei que sou muito novo, que não tenho o nível nem estou à altura de vocês, sei que essa discussão vai além das minhas limitações; assim como sei que o meu nível de cultura está abaixo do seu, de vocês, mas também sei que é alto, e como é, o meu nível de consciência!¨

E foi assim que o adolescente, com as conseqüentes reservas, começou a tentar expressar o que estava pensando.

...

Leia amanhã o Capítulo XLIII

Jornalista, escritor e poeta norte-rio-grandense

  

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Diretora Executiva: Kelen Marques