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comTEXTO : 31 de Março, 1964

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31 de Março, 1964
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O dia do golpe
30/10/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO XLI

Gostava demais do que via e por qualquer lado que a visse, como simples mulher ou companheira do Partido, Sarita seria especial e para não dar uma opinião baseada na ignorância nem fazer alguma pergunta indesejável, excitadíssimo, calou, e ela, abaixando-se mais, sentou-se à sua frente, aos sussurros.

¨Você ainda tem muito que aprender sobre as mulheres, meu querido; tem que aprender a notar se uma mulher lhe quer ou não; você só sabe devorá-la com os olhos, e isso incomoda¨.

Sem fazer exigência alguma, só com os olhos, pronta ao ataque, só se movimentando a frente dele, Sarita provocava-o.

Engatinhava como uma felina, ronronava, e ele sem ter a mínima idéia da surpresa que o aguardava, precisando ter muito cuidado para, antes que fosse tarde, interpretar a magia do que se passava, sabia que seria difícil evitá-la por muito tempo.

Qualquer alívio, uma ejaculação espontânea que fosse, por exemplo, seria bem vindo e o socorro veio de Humberto:

¨Companheiros, não acham que já está na hora de repassarmos alguns pontos, de falar no que vamos fazer¨?

¨Eu pelo menos acho¨, disse o nordestino, ¨passei a tarde rodando e não sei em que pé estão as coisas¨.

Em resposta, concordando, sentando-se nas cadeiras de praia, Sarita e o dirigente ficaram um pouco em silêncio e foi ela quem começou:

¨É aquilo que eu tentava dizer a pouco, que, em virtude da quebra da disciplina e da hierarquia nas Forças Armadas, por causa dos levantes dos sargentos e marinheiros, a maior parte das Forças Armadas está contra ele, Goulart não tem como dominar a situação nem condição militar para enfrentar esse golpe, já está deposto. Em lugar nenhum a reação a seu favor deu certa, nem em Brasília, mesmo com o apoio local da CGT, que abriu inscrições de voluntários, os comandantes da Região Militar e do Comando Militar do Planalto também tentaram iniciar uma resistência, mas sem nenhum resultado porque não veio a ordem direta do comandante em chefe do Estado Maior das Forças Armadas e você sabe quem é ele, Jango, Goulart. Eu soube também que um coronel da Aeronáutica fez num NA-T6 um sobrevôo sobre as colunas de Mourão Filho, para avaliar a situação, podia disparar, acabar com a farra, chegou a solicitar ordem para atacar, mas, como não teve resposta, e voltou¨.

¨Goulart depende de um milagre¨, disse ele.

¨Se eu acreditasse nisso, diria que sim; como materialista convicta, digo que não¨.

Antes de Sarita completar o relato, o dirigente separara um recorte de jornal:

¨Escutem, vou ler essa reportagem que saiu hoje, é sobre o discurso de ontem aos sargentos, ouçam-me:

“O presidente Goulart chegou com vários ministros, foi freneticamente saudado e avançou cercado pela segurança entre a multidão, pálido, os perplexos olhos de espanto, a percepção que tive foi de que ele estava sendo empurrado para um matadouro.

“Tirou do bolso o discurso, começou a ler pausadamente e à medida que o salão sacudia de aplausos, o presidente foi levantando a voz e a alma, falando cada vez com mais vigor, mais convicção, garantiu à Nação que as reformas seriam feitas e de repente, num gesto brusco, jogou sobre a mesa as laudas que faltava ler e começou a falar de improviso, cada vez mais forte, até jurar emocionado que a política de conciliação chegara ao fim e que as reformas iriam ser conquistadas nas ruas. E tudo estava perdido¨, conclui o repórter.

Fêz-se silêncio total na sala e dali a poucos minutos, Sarita prosseguiu em seu relato:

¨No Centro-Oeste o golpe já controla a situação. O general Meira Mattos, comandante do 16º Batalhão de Caçadores, de Cuiabá, em caminhões e aeronaves comerciais requisitadas, está se deslocando com sua tropa por rodovia e pelo ar para Goiânia, perto de Brasília, e disse a rádio que já conseguiu a adesão de um batalhão de caçadores goiano e da Polícia Militar de Goiás, parece até que já chegou em Brasília, ocupou a cidade e assumiu o comando geral da tropa da capital da República¨.

¨E o pior, pau de arara¨, observou a sorrir o contato, ¨não houve reação em lugar nenhum do país¨.

Desta vez o orgulho natalense superou o preconceito, e, com um gostinho de indiferença, fingindo que não ouviu, respondeu sem alterar-se, só fez um sinal de confirmação.

¨Nem no Sul¨, lembrou Sarita, ¨no Paraná, Santa Catarina, a adesão da tropa ao golpe é unânime; em Porto Alegre há quase unanimidade, mas o Leonel Brizola, que se encontra por lá, já viu que não possui tantos adeptos quantos esperava, percebeu a impossibilidade de reação, dizem até que já voou para São Borja e se a coisa piorar, irá para o Uruguai¨.

¨Quer dizer então que acabou?¨

¨Pelo visto, sim. Goulart não dispõe de recursos logísticos para sustentar uma guerra civil, não conta com suprimentos de armas, de munições, de gasolina, de nada!¨

¨E aqui no Rio, como estão as coisas¨?

Homem culto, o dirigente tinha seu estilo, ritmo, sua maneira própria de argumentar, analisava de modo realista com uma dialética própria, de que o todo é feito de partes e vice-versa, vendo o futuro em qualquer situação, disse que o futuro e o momento estavam ali, eram agora.

Sem ambição, sem pressa, caso único no caos, confirmou, virando os polegares para baixo, usava uma linguagem acessível, simples.

Sem tentar conduzir seus interlocutores, dominava fácil o tom e a forma da palavra ao explicar os últimos passos do presidente na cidade:

¨Quando souberam que Goulart embarcara para Brasília¨, disse, olhando as anotações feitas enquanto ouvia o rádio, ¨no começo da tarde seus assessores entraram em pânico, abandonaram os palácios do Catete e das Laranjeiras, de forma que já não se acha ninguém do governo na cidade, principalmente ministros, a saída Goulart parece confirmada. Aqui, a situação começou a se normalizar, embora haja agitações no centro, parece que um grupo tentou invadir o Clube Militar e o Estado Maior das Forças Armadas; a UNE e o jornal Última Hora estão cercados por gente da direita, houve confusão no Caco, na Fênêfi... É isso, nada mais¨...

¨Onde? O que é Fênêfi¨?

¨Faculdade Nacional de Filosofia, no Castelo, e é só isso o que eu tenho a dizer, a cidade está sob controle dos golpistas. Sei que por enquanto é impossível fazer alguma coisa, mas é em horas assim, quando precisamos dar seqüência à nossa ação, que nós nos ressentimos de uma agilidade maior,¨ e ele era todo ação e pensamento, teoria e prática, sempre franco quanto às suas simpatias e preferências.

¨Não há nada planejado. Ninguém pensou nas coisas, isso não poderia ter acontecido conosco nem com o Partido. Até que saia um manifesto do Comitê Central¨, disse, demonstrando sua enorme capacidade de prever, ¨vamos partir para uma ação direta, deixarei alguns panfletos, com palavras de proclamação contra o movimento golpista, para você distribuir e levar à algumas pessoas, um pessoal nosso do DCE, do Diretório Central de Estudantes, que está preparando uma edição de O Metropolitano. Um deles se chama Marcelo e o outro, Israel¨.

Deu-lhe a descrição física para que pudesse reconhecê-los:

¨Eles o apresentarão a algumas pessoas que poderão lhe ajudar muito a encontrar emprego, têm amigos influentes nesse meio de jornalistas e donos de jornais. Estamos impotentes, quase não há nada a fazer, mas se cada um cumprir sua função, um grupo pequeno de pessoas pode mudar o rumo de um país, é só agir na hora certa e ser conseqüente. Vamos lá gente! Vamos seguir adiante, sempre atentos às manobras do imperialismo, vamos usar ousadia e inteligência para sabotar todas as manobras dos Estados Unidos, antecipemo-nos a cada passo deles, e, se quiserem nos taxar de direita, que o façam. É nossa obrigação prever quais serão as conseqüências futuras porque atrás dessa pseudo-solidariedade ideológica dos americanos estão os interesses do capitalismo internacional. Haverá momento em que teremos que defender e até nos aliarmos aos militares, pois eles têm organização e força, só falta-lhes um empurrão para o nacionalismo e se nós usarmos desde já uma tática inteligente, mostraremos que a gente sabe o que se passa e exige a volta da normalidade institucional¨.

¨Isso me deixa angustiado¨, observou Humberto.

¨Mas, tem que dar e vai certo, e quanto a você, potiguar, se procurava uma tarefa, aí está uma, mas procure não se expor desnecessariamente nem tome parte em manifestações públicas. Haja com descontração e não terá problemas sérios, este trabalho às vezes não é fácil, pode ser uma operação arriscada, mas pode ser realizado facilmente, com imaginação e coragem; é bom ter cuidado, daqui para frente a gente não espera mais nada de bom e isso pode ser perigoso, qualquer hesitação pode ser desastrosa. Para detectar o perigo, vai ser preciso confiar na intuição, e, ah!, sugiro que você não mencione que viu Sarita e Humberto. Eles esperam por notícias, mas antes, esperam por você, vão obedecê-lo imediatamente, sem restrições. Temos que dar um rumo a todas as nossa ações e a todas as nossa decisões, como Partido, e eu assumo toda responsabilidade. Aí está o endereço, é aqui perto, no Leblon. Israel é judeu, mora numa mansão, o pai é muito rico. Você vai dizer que é da parte do Jaime e vai atuar junto a eles. Você vai atuar com eles. Parece que eles vão tentar organizar uma passeata, uma manobra, mínima que seja, de protesto, para depois concentrar esforços na reestruturação da base universitária¨.

...

Leia amanhã o Capítulo XLII

Jornalista, escritor e poeta norte-rio-grandense

  

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Diretora Executiva: Kelen Marques