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comTEXTO : Acerto de Contas

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31 de Março, 1964
Acerto de Contas
Representação fictícia de fatos reais
15/08/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO CXCVII

Começara o jogo erótico e todos, rapazes e moças, arranjavam-se na troca de encantos, segredos do prazer, o requinte indispensável do sexo. Sem resistir ao desejo de perverter e seduzir, El Ruço perseguia a sensualidade de Ximena, falava com ela pelos cantos da casa, beijava-a, enrolava-se nela como um cipó, com aquela coisa dura, rija, comprida, um volume que quase lhe rasgava a calça, chamando a atenção de Filipa; substituindo inocentemente as anfitriãs em amores, ela fingiu que nada vira...

...Ouvia-se em toda casa o arfar sexual de Jane, que se deliciava em relações íntimas no quarto, trancada com o namorado...

...Tudo estimulava desejos, fantasias. Quebravam-se os disfarces e as intenções das atrações entre machos e fêmeas, movidos pela raiz do prazer e da fertilidade, o desejo, vibravam, à flor da pele...

...Como que só observando a hora de se jogarem uns nos braços dos outros, ante à insistência, sem resistir mais aos agrados de El Ruço e ao brilho febril do seu olhar guloso, surpreendida no calor do cio, a tímida e sensível Ximena repetia que estava en el mal del mes, porém, entregava-se ao desejo exclusivo de continuação da vida, procriar, exclusivamente um prazer feminino, passageiro no gozo da mulher e eterno na realização da mãe...

...Não gostava do barulho e da agitação das festas e até ali fora salvo pela cachaça e pelas saborosas saltenhas que Filipa servira, todavia os sons perturbadores da sensualidade, a feitiçaria inebriante dos galanteios de vários países e a submissão feminina à volúpia carnal, dominavam todo os presentes...

...As carícias prosseguiam, crescentes, sem pudores, em deliciosos ritos de prazer cujos ruídos revelavam as aspirações inebriantes do sexo...

...Arfantes, no mínimo três casais se amavam ao mesmo tempo, presos aos vínculos mágicos do prazer...

...Despertara o instinto do sexo desde que ouvira os gemidos e arquejos de prazer, os suspiros e arrepios espalhados no ar e ao sentir no ar o cheiro picante de mulher excitada, sua imaginação elevou-se ao clímax... Via-se se desesperar, doido para encerrar a longa fase de abstinência. A forma como Filipa o olhou na última passada, balançando a bandeja de salgadinhos numa das mãos não só lhe pareceu cúmplice, simultaneamente controladora. Inebriado com o odor de acasalamento espalhando-se pela casa, no ímpeto da eclosão libidinosa, não pensou nas conseqüências...

...Imaginava-a receptiva, sintonizada ao mesmo entusiasmo...

...Aturdido pelo excesso de caipirinha e fascinado pelo requebrar de Filipa e suas coxas grossas, rijas nádegas, ele não resistia à tentação da vontade louca de possuí-la. Se já interpretara como insinuação sensual tudo o que ela fizera e dissera, em crescente e irrefreável desejo, aspirando o purito paraguaio que escapava num fio fino de fumaça por debaixo da porta de Jane, só pensava na própria orgia...

...Liberando-se, disse para si mesmo que ia agarrá-la!...

...A situação estava a um passo de sair do controle, queria pegar a coxa grossa de Filipa, apalpar-lhe os seios, levá-la com a volúpia que o dominava para o fundo do quintal vazio. Esperando-a impacientemente passar, reacendia sentimentos ocultos, convencia-se de que fora ela que o animara a agir...

...Sentindo um calor abrasado apoderar-se-lhe do corpo, excitadíssimo, num claro abuso de confiança roçou-lhe a coxa e lançou-se sobre ela...

...Agarrando-a com força, envolveu-a num forte abraço, beijou-lhe a boca, levantou-lhe a saia, apalpou-a no sexo, mas, bruscamente, num salto, atordoada, constrangida com a ignóbil atitude, sem corresponder nem aceitar as carícias, debatendo-se, resistindo, ao repudiá-lo em tempo, Filipa se desprendeu e se escapou, não deixando o sacrílego afago chegar ao fim. Desfeita em soluços, empurrando-o, ergueu a mão num gesto para que se mantivesse a distância.



CAPÍTULO CXCVIII

Virando-se para esconder as lágrimas, incrédula, quase sem conseguir pronunciar as palavras, encarando-o, gaguejou...

...¨Cre-cre-ti-ti-no! Lar-lar-ga! Para, aho-ra mismo! Não admito! Afaste-se!¨, disse, zangada, ¨para! Soy virgen! Saca sus pa-pa-pa-tillas! Ti-ti-ra las manos de mi-mi! No me-me gu-gus-ta ser a-a-apretada!¨...

...¨Só paro se você disser que notícia tem para me dar¨...

...A recepção fora de tanta frieza que o impulso serenou num segundo...

...Deixara-se arrastar por um arrebatamento quase infantil e desejando ir embora, mais do que preocupado não com a reputação de Filipa, que não estava excitada nem interessada nele, olhou em torno para certificar-se se alguém vira a cena...

...Filipa ajeitou a saia, o sutiã, visivelmente contrariada puxou-o pelo braço, resmungando, e em sincera repulsa, com os olhos em pranto, desatou a chorar...

...¨No estás entendiendo nada, mierda! Casi me violaste! Estás atacado? Ustde está enganado a meu respeito!”, ralhou...

...”Comporte-se¨, disse, histérica, com raiva.

Corado de vergonha, ele ainda tentou amenizar o vexame, pedindo-lhe que perdoasse seus modos...

...”Desculpe-me, de verdade!¨...

...Presa de violenta emoção, desprendendo-se, cabreira, Camila, pondo-se alguns passos adiante, agora, gélida, nem soluçava. A decepção impunha-se majestosa entre eles. Voltando a soluçar, ainda mais forte, enxugando as lágrimas com a ponta da saia, Filipa correu para o banheiro...

...Voltou ao corredor minutos depois, ajeitou o cabelo, prendendo-o com grampos, acalmou-se pouco a pouco e coberta de razão, com o sabor amargo da traição, conferiu no relógio de pulso a hora e firme, inflexível, desembaçou a voz e desabafou, sombria, fria, cada palavra congelada, antes de pronunciada...

...¨La noticia que esperas está llegando ahora, en el ómnibus de las diez. És Isabel, su estúpido! Llegó hace poquito! Preparamos todo esto, esta fiesta, para conterte, asegurarte. Es verdad! Ella pedio que hiciésemos este encuentro, hoy, y está esperando volver para uno caballero, uno galante, uno hombre digno. Y quien eres? Una bestia como los demás. Sabes se tengo alguna atracción por usted? Te permití, en alguno momento, expectativas de que te quería? Soy como una hermana para Isabel. Y, por que no? Tuya, también!¨...

...¨Felipa, desculpe meu comportamento, foi um momento de fragilidade, me deixei levar pela emoção¨...

...¨Yo no quiero hablar! Será mejor que tu te vayas de esta casa!¨....

...Deixando claro que definitivamente não haveria perdão e que não permitiria explicações, ela cortou o assunto, encolheu-se em um canto e não disse mais nada. Depois, levantou-se, deu meia volta e fechou-se no banheiro, recomeçando a chorar, agora convulsivamente.



CXCIX

Estragara a festa e a convicção da atitude errada diminuía-lhe o espírito, pesava-lhe a cabeça, tinha dores na nuca e no pescoço...

...Maculara os sonhos e as ilusões de uma virgem crente na dignidade dos homens e o tom de voz com que ela desabafara o levara a refletir, sob o peso angustiante da vergonha, repudiando a si mesmo por ter perdido as fantasias sentimentais. Deixara-se enganar facilmente, fora ingênuo e ferira um tenro coração juvenil...

...O machismo estragara a surpresa preparada fraternalmente e ele se saíra igual ao pai, nada mais que um conquistador relapso e oportunista ou um cretino, como definira Filipa, simplesmente imoral e pecaminoso...

...Teria sido muito pior se houvesse correspondência da parte dela. Como seria encarar Isabel, depois?...

...Revelara-se um tolo, ela saberia do que fez, Filipa lhe diria. Não era só vexame o que sentia, também remorso, crescente quanto mais se sentia culpado...

...Exasperado, tentando desculpar-se perante a própria consciência, falava sozinho...

...¨Porra! Foi quase uma tentativa de estupro! Argh! Que merda eu fiz?!?¨...

...Quem resistiria à sensualidade implícita no olhar, nos lábios de Filipa?...

...Muito menos, sob o efeito do álcool...

...A investida tinha resultado num fracasso tão grave que não valia mais a pena ficar ali e quanto mais ele indagava sobre o que fizera mais se condenava pelo indecoroso mal-entendido provocado pela sensualidade da festa...

...Ele voltou a si e não achou o que dizer, quis que o chão se abrisse, quis se desculpar confortá-la, sumir da face da terra, só sentia vergonha, muita vergonha de si mesmo pela tentativa fracassada...

...Envergonhado, não queria esperar Filipa sair do banheiro porque sabia que ela, quando saísse, humanamente, seria para acusá-lo, julgá-lo e condená-lo...

...Tristonho, murcho, retirou-se, escondeu-se num canto da cozinha...

...Atormentado pelo arrependimento, não se perdoava por ter ferido flor tão bela, tão meiga, a pequenina Filipa!...

...Não pensava mais em Isabel, não esperava nenhuma salvação, nenhum socorro, exibia no rosto traços de infelicidade e tristeza...

...No íntimo, procurara sufocar os estranhos desejos do sexo, agora transformados em aniquilamento, destruição...

...Isabel era um nome que por enquanto não cabia mais no pensamento, só a vergonha.



CAPÍTULO CC

Tinha que achar um taxi, sair do local. Atravessou o corredor e chegou à rua acompanhado pela sombra do arrependimento. Saiu em busca do mar, para se refrescar; procurou um táxi, não achou, só voltou a dar por si na praia, implorando aos céus a oportunidade de se redimir, sanar o mal que praticara, chorando muito ao entrar na Ponta do Morcego onde, sem tirar a roupa, lançou-se às águas na sétima onda, para exorcizar o pecado...

...Sob o sereno céu que o fitava impassível, na tortura da alma, dependente de amor e de carinho, desolado, enojado, entre acusações faiscantes das estrelas e das lufadas de vento, com a alma prestes a cair no abismo das reminiscências vinculadas a um passado não muito distante, da tarde em que conhecera Isabel, em busca de força, compreensão, nas cavernas de pedra, entornou o pouco do que sobrara na garrafa de cachaça, em silenciosa reclusão olhou para o mar sem ver nada, respirou com sofreguidão o oxigênio carregado de iodo que o vento fresco extraía do mar, sentindo sob o corpo a pulsação da terra, antes de cair em profundo estado de inconsciência, ajoelhou-se perante a sombria majestade das ondas que se estatelavam nas rochas e dormiu, só acordou com o sol alto, achando que tudo se dissiparia com a ressaca, mas estava enganado...

...Sabia que não buscara a paixão e esta aparecia na dor do tango, da vida arrastada e marcada pelo bandoneón triste, argentino, a febre platina das amadas e amantes. Perambulava no tempo, covardemente, bebendo de dia e de noite, fazia-se nítida a necessidade de esconder-se e a chance estava nos vesperais obscuros das pornochanchadas...

...Depois da festa passou a preencher o tempo com coisas que nunca fizera ou desacostumara fazer, tentava esconder-se da própria sombra, contemplando a própria miséria, fugindo para um mundo sem amor, sem alegria; fugindo da imaginação e da memória, a lembrança da noite em que conheceu Isabel...

...Com a alma perdida em cismas, pedia forças ao mar, ao céu, ao sol e a todos os poderosos espíritos da terra, na suplica do perdão pela ingênua fraqueza humana que o desejo cometera contra a beleza. Balbuciava aflito na beira da praia o nome de Isabel, mantido num lugar escondido do alvoroçado coração, enxergava nas faces tristes das mulheres casadas com o dia-a-dia, o rosto de Isabel...

...Em lágrimas corroídas pelo remorso, na solidão tanto suplicou o perdão que, no meio de um porre, a circunferência do mundo estatelou-se, explodiu na serena melodia do mar a quebrar sem parar, dentro do cérebro, e ele ouviu o atordoante grito que ele mesmo deu...

...¨Isabel, eu te amo! Venid...! ...rápido!¨...

...Não poderia mais viver sem vê-la...

...Condenado pelo sentimento da mágoa, no espírito pulsavam loas misteriosas, imagens de incriminação, e o som do bandoneón triste de Piazzolla chorava Allende, intercalava as dores com pontuações de vingança. Voltara a buscar nas madrugadas e alvoradas solitárias, intumescidas de sol e de vermelho, a eterna esperança diária do alvorecer socialista, jamais abandonado...

...A culpa e Piazzolla, intermitentes, marcavam passo no compasso do tempo e da dor do coração partido, não argentino, pero brasileño puro, em ritmo de tango de Gardel, na grave entonação de grito jogado ao mar, à luz noturna, na sombria escuridão das cavernas da Ponta do Morcego...

...Isabel, eu te amo! ´Venid´, por favor!

...E os gritos rompiam o silêncio profundo em ecos perdidos dentro do peito, no medo de perder a paixão.



CAPÍTULO CCI

Como que para agravar-lhe a dor, sinais de perturbação da rotina o distraíram da miséria em que se transformara seu quotidiano, a vida tumultuada. Na nova busca do significado da existência, entre dúvidas e inquietações, soube que o procuraram em casa mas nem quis saber quem foi. Saturado de cerveja, refugiara-se na praia. Evitando as caminhadas, enfiou-se num cabaré atrás do Postinho, de péssima reputação, onde passou tardes e tardes ouvindo Paloma, uma velha prostituta paraguaia que se refugiara em Natal, nos anos dourados em que o porto vivia cheio de navios que vinham buscar a produção algodoeira potiguar, da melhor qualidade, terminada na praga do besouro bicudo, que acabou com os algodoais, quebrou fazendas, uma após outra e deixou o pobre violão guarani na zona, para moldar as noites tíbias de Natal com guarânias e canções galoperas...

...A compreensão solidária da mãe levava-o a servi-la nos cuidados e cultivo do jardim, das flores, da goiabeira, a escutava cantarolar músicas adormecidas na memória da infância, permanecia um pouco mais com ela quando passava em casa só para tomar banho e trocar de roupas, respondia ao trivial enlevado de brandura, respeito e honradez no silêncio interrompido apenas pelo canto dos pássaros e os gritos dos netos que brincavam na calçada...

...Numa alucinação alcóolica escutou a voz amada gritar seu nome e acordou, decidido a enfrentar o irrealismo fantasmagórico...

...Depois de tudo o que passara, não seria um sofrimento a mais nem a menos, porque nem diminuía nem somava, era só o medo em desafio à vida, e quando o medo chega nada faz sentido, senão prosseguir, indiferente ao que virá. Brilhavam nas manhãs natalenses os olhos negros de Isabel...

...Apesar de ter passado os últimos dias arredio, intensificou por carta os contatos com alguns militares que o acompanhavam de longe, fazendo chegar a quem de direito a denúncia das atividades gringas e tudo parecia correr bem, mas nem a alegria pela ida de Samuel nem a nomeação do reitor, muito menos a repercussão do suplemento na cidade, tão positivas circunstâncias, ao invés de alegrar resultavam no fortalecimento do sentimento de culpa e traição à Isabel...

...Ao aproximarem-se os gringos, fingia ignorá-los, distante de tudo, o mesmo quanto aos latino-americanos, rezando para não encontrá-los, porém, como não conseguia fugir, lembrava a fábula bíblica de Caim e Abel, que lhe caía como uma máscara e a marca de Isabel, uma dor forte no coração, perseguia-o em todos os lugares.



CAPÍTULO CCII

Isabel chegara, tinha certeza por respirar nas correntes das ruas seu perfume, a saudade. Raios negros e pontiagudos perseguiam-no, perfuravam-lhe o pensamento, como punhais...

...Transcorrera um ano e meio desde a festa do Tirol e nesse período, mais de uma vez, fugiu de Natal, fez quatro visitas aos filhos no Rio de Janeiro, passou por São Paulo e Brasília, onde foi recebido na Granja do Torto pelo general da cavalaria, que estava cedendo demais e muito rapidamente, num encontro sobre o qual nada publicou a respeito nem em Natal e, se não fora a ansiedade de rever Isabel, teria aceito a proposta de trabalho e ficado em Brasília, como redator do programa oficial A Voz do Brasil, por recomendação expressa do Presidente da República...

...Retornara à Natal depois de meses fora, entre Brasília e Rio de Janeiro, e sentia na alma da cidade que Isabel voltara...

...Semanas se passaram até que, no doce setembro potiguar, mês em que o azul do céu em Natal fica mais limpo, as tardes mais tranqüilas, a temperatura amena, agradável, melhor época do ano, em termos de clima, em meio aos murmúrios das vozes interiores, com entusiasmo incontido viu a magia voltar a funcionar, confiante novamente na esperança de que encontraria Isabel...

...No silêncio de uma tarde cálida, quando, cedendo à tentação de procurá-la, os receios diluíram-se ao esquadrinhar as ruas com os olhos, como se alguém lhe tivesse dito que Isabel apareceria por ali...

...O sonho estava prestes a se realizar e o amor floresceu e a espera pareceu ter acabado quando a tristeza e o pranto fugiram, ao avistá-la, a luz de Isabel, sua beleza, brilhando ao longe...

...A primeira vez, numa esquina, atenta aos veículos, apressada, era ela, no rumo da faculdade de odontologia e com certeza residia por perto...

...Contido o assombro passaram-se os dias e sempre, naquela hora, inspirava-se de amor, repletia-se de vontade de abraçá-la, espreitando-a da esquina, erguendo-se na ponta dos pés para apreciar a paixão se renovar...

...Despreocupada, ciente de que o venceria com encanto, ela fingia olhar em outra direção...

...Nesse complexo exercício de ambição contida, num jogo sem regras, mas de final conhecido, ele deixava-a a sós, só espiava. Na terrível confusão de sentimentos, por sabê-la próxima, chorou algumas vezes e o remorso, nessa mescla de loucura e realidade, começou a emitir sinais de vida. A sossegada e linda filha do céu mais azul da América Latina, de Quito, a cada fim de tarde demonstrava percepções somente permissíveis aos amantes de corações enlouquecidos, que buscam na vida um semelhante para dividir-lhe as dúvidas, as angústia e a insignificância dos mistérios...

...Surpreendia-o com a sagacidade de índia, inca, e inibia-o com a persistência do caçador que observa a caça. Em intermináveis tardes, sorrateiramente enfeitiçava-o...

...Quebrado o encanto, emocionado, sem palavras, estremeceu ao ser descoberto...

...Isabel aplainara durante dias o terreno e tudo indicava que o fizera para prepará-lo até que tivesse coragem de aproximar-se. Insinuava delicadamente com gestos e sutis apelos à distância, mostrava-se bela ao atravessar a ruas, exibindo naturalmente plenitude e perfeição, mexendo os ombros, desarranjando os cabelos, sacudindo a cabeça, irritadiça, como se quisesse chamar atenção e, fingindo não o ver, representava, em toda a grandeza, a beleza da imagem de mulher madura, desejada, uma visão que ele ainda não tivera tempo de conhecer...

...Avizinhava-se a mudança da maré e a tristeza iluminava-se, era um consolo poder vê-la de relance, quando passava ao longe e o sossego do andar de Isabel embelezava a tarde e a vida...

...Convicto de que participavam de misterioso jogo de alquimia, de pura magia, todas as tardes aguardava-a na esquina...

...Como sonhara com este momento!



LEIA AMANHÃ OS CAPÍTULOS CCIII, CCIV, CCV, CCVI, CCVII E CCVIII


  

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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques