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Cuiabá MT, 24/11/2024
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O Outro Lado Porque tudo tem dois, menos a esfera.

comTEXTO : Acerto de Contas

OUTRAS PUBLICAÇÕES
31 de Março, 1964
Acerto de Contas
Representação fictícia de fatos reais
26/08/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO CCLXIII

...¨Pero, hay una cosa que ellos no lo saben, que la naturaleza és implacable!¨...

...¨Querem desindianizar o índio, adaptando-o à condição de agricultor. Onde o índio pescava agora é uma fazenda e só lhe resta o cabo da enxada. É obrigação do governo restituir ao índio aquilo que é do seu direito, aquilo que é mais sagrado para ele, a terra! Depois de invadirem as reservas indígenas Caigangue, aquela gente do Sul dizimou a mata costeira original, como os engenhos fizeram no Nordeste, o corte sem controle que quase acabou com a Araucária, uma árvore genuinamente brasileira, hoje ameaçada de extinção. Ainda bem, graças a meia dúzia de índios, que lutaram e expulsaram alguns invasores de lá, ainda existe no Paraná uma reserva, Manguerinha, e uma ou outra, na Serra Gaúcha, o que restou para que nossos filhos possam ter no futuro uma idéia do paraíso que era Pindorama. Ao assumir o problema ´social´, o governo costuma jogar aquela gente em outras terras que foram habitadas por índios, índios que não existem mais, pois foram exterminados pelos posseiros de antigamente, e aquela gente, que acabou com os índios no Sul, agora está por aí, devastando Mato Grosso, Goiás, já chegaram nos Gerais do grande sertão de Guimarães Rosa. De tanto desmatar extensas áreas de terras virgens para lavoura e capim, logo as nascentes de água daquela região se esgotarão. O desmatamento desenfreado acelera a escassez dos recursos hídricos. Em muitos lugares a erosão está fora de controle e continua a avançar. Eles entram nas imensas áreas de terras devolutas como invasores, passam a arrendatários e terminam como donos...

...¨Eso ocure en todas las partes, incluso en mí país!¨...

...¨A maioria não compra, não paga e fica à espera de que o governo tome medidas e resolva as questões de terra, criadas por outros invasores anteriores, seus parentes, nas terras indígenas. Os mesmos que predaram o Sul do país, agora fazem o mesmo com seringais e terras de Rondônia e Acre. Apresentam títulos falsos de posse e ainda cobram indenizações à União para, depois, a mata virar pasto. Muitos rios da Bacia Amazônica estão sendo atacados por pescadores comerciais e, se não se fizer nada, acabarão com o Pirarucu dos afluentes do Solimões. E, sabe o que eles dizem? Que os pobres que se virem, busquem vida em outro lugar. Essa gente do Sul acha que está indo para a Amazônia em nome da civilização, o que significa casar o brasileiro sem terra com a terra sem brasileiro, como se o Brasil não tivesse dono! As populações tradicionais e os pequenos agricultores estão sendo desalojados de suas terras e ninguém faz nada! Tenho a impressão de que, quando falou em capitalismo selvagem, o alemão, inconscientemente, se referia aos descendentes do imigrante europeu. Não podemos assistir passivamente à ocupação de terras públicas, à grilagem e à degradação das florestas...

...Isabel perguntou...

...¨O alemão falou isso? Será que virou comunista?¨...

...¨Falou, sim, durante uma viagem que fez ao Japão e à Alemanha. Ele poderia ter dito que a Amazônia abreviou a vida do imperialista Theddy Roosevelt, morto pelos mosquitos, na expedição que fez à ela. Poderia ter dito isto, para afastar os gringos, mas só disse que é preciso disciplinar o capitalismo selvagem, e a esquerda passou batida, ignorou, embora a juventude dourada, não. Até rock and roll fizeram com a frase. Voltando ao ´capitalismo selvagem´, àquele que é praticado contra a selva, a geração de novos destruidores diz o mesmo que disseram os seus pais e avós, ao se apossaram das terras Caigangue-guarani, no Sul do país. O sulista invasor sabe que a ligação do índio com a terra não é de caráter econômico, mas, assim mesmo, derrubou a mata de grande porte do Sul, para plantar soja, arroz, milho, capim, criar boi, e multiplicou-se tanto que foi expulso de algumas áreas e, agora, só se contentará quando implantar seus latifúndios, seja na Amazônia ou onde for. A invasão desorientada, desordenada, de sulistas e paulistas me dá arrepios! No Vale do Tapajós e nas margens da rodovia Belém-Brasília a floresta primária está sendo destruída para dar lugar ao boi, dentro da mata. Para quê? Para alimentar rebanhos suínos e enriquecer meia dúzia de oportunistas, sem, no entanto, criar empregos. É uma séria ameaça ao ciclo de vida da natureza. Fazer reforma agrária em terras devolutas da Amazônia? É uma piada! Por trás dessa idéia esperta estão grandes fazendeiros, firmas que pagam a ´homens brancos´, armam-nos com revólveres, espingardas Winchesters e até metralhadoras´...



CAPÍTULO CCLXIV

...¨O que se quer? Querem, como fizeram em todos os lugares por onde passaram, a pretexto de se criar pólos de desenvolvimento, integrar a Amazônia à um modelo explorador de agricultura e pecuária em larga escala; enfim, ao sistema produtivo capitalista. É só olhar, por onde passam deixam um rastro, corpos de interesses minúsculos, pequenas cidades, entupidas de miseráveis periféricos que, como os índios, perderam suas terras. Chegam e viram arrendatários de terras da União, com a ´ajuda´ de políticos, claro. Atrás vêm os aventureiros, os caminhões, as churrascarias, o pasto, enfim, as ´tradições´ e o pior, que é síntese da mentalidade predadora, o churrasco, na maioria das vezes, carne quase crua! Desgraciadamente, como dizem vocês, a destruição é geral. A vegetação das cidades está sumindo e novos bairros e prédios estão sumindo. Veja o Tirol, basta olhar o que já aconteceu e verificar se não é verdade. No resto do país, a mesma coisa, em uma década, os gaúchos mandados por Getúlio para o sul de Mato Grosso, destruíram um equilíbrio que a natureza levou milhões de anos para criar. Eles se acham donos dos rios, das árvores e onde chegam, degradam. De nada vale a tradição do mato-grossense, do goiano. Quando o sulista chega trás consigo um pedaço e as tradições dos seus avós. O Brasil que existe é relegado a segundo plano e muitas vezes, destruído. No lugar do Boi Bumbá, do Pastoril, instala-se um centro de tradições gaúchas e como manda é quem tem dinheiro, destruída, logo a tradição local desaparece. Essa gente faz tudo por um pasto ou por uma lavoura de soja. Para ganhar dinheiro, com fogo, tratores e correntes matam a mãe natureza. Essa gente é o próprio veneno a condenar, no bolso e no banco, as gerações futuras. Os sulistas não assimilam a cultura mestiça do povo e, no entanto, querem não apenas a adesão do nosso povo aos seus costumes, como, em muitos casos, forçam a adaptação. Em termos culturais, são tão ou mais danosos do que a televisão, que acabou com as conversas nas calçadas, brincadeiras de criança e graças à ela velhos costumes desapareceram da memória. Em nome da brasilidade, é preciso que se diga isto, ora bolas! Vi áreas no sul de Mato Grosso que estão em disputa entre fazendeiros e índios, terras que eram e são dos índios. Por que não fazem logo a reforma agrária e deixam os gaúchos e catarinenses lá mesmo, em seus estados? Não, porque querem fazer a reforma agrária à custa dos índios e da União, e é por isso que dizem ser preciso, primeiro, cuidar de ocupar a Amazônia, e, por causa deles, em muitos lugares a floresta não é mais contínua, como antes. Como manter e renovar o chamado grande pulmão da humanidade, amaçado principalmente pelos netos e bisnetos de imigrantes?...

...Visivelmente preocupada, Isabel interrompeu em voz baixa¨...

...¨Concordo com o seu sentimento, mas isto parece preconceito ou xenofobia, pero Yo mismo é quem deveria estar falando isto. Sabes que en Ecuador as petroleiras, principalmente a Texas Company, Texaco, estão causando verdadeiros desastres na Amazônia que nos pertence? Não é uma questão de saber quem chegou primeiro, tampouco de preconceito contra filhos e netos de imigrantes, muito menos de xenofobia. É de direito, o direito de quem fez o Brasil como ele é, de quem o carregou nas costas, o negro, o índio e o português, essa mestiçagem que se impõe diante do mundo, um tipo de amor aborígene que eu prezo muito, caso contrário, seríamos uma Argentina que, no Século XIX, quando a população nativa mal passava de 300 mil pessoas, introduziu no país mais de 700 mil imigrantes europeus, a maioria de italianos. É crime defender o seu país, como ele é? Não gostaríamos de ser mais uma Itália, Espanha, Polônia, Israel, Japão ou Alemanha. Nós somos brasileiros, ora, bolas, uma gente nova, que encoraja a miscigenação com qualquer raça; somos diferentes dos impetuosos sulistas, sedentos de terra, que são descendentes diretos da imigração européia, feita em larga escala, há pouco mais de um século, na disfarçada tentativa do Império para ´branquear´ o Brasil, e não, como se supunha, apenas, para substituir a mão-de-obra negra. Parece que tudo foi calculado matematicamente, que ver? Se, durante todo o período colonial, vieram da África 4 milhões de negros, entre 1870 e 1930 vieram da Europa 4 milhões de trabalhadores brancos e, do Japão, mais uns 50 mil amarelos, depois é que vieram mais. Evidentemente, trouxeram das suas culturas muitas coisas boas e úteis para o país, como o cooperativismo de produção e crédito, as idéias de luta social, principalmente o anarquismo. Na verdade, a grande maioria veio explorar e destruir as riquezas das nossas florestas e seus descendentes se consideram donos dos seringais e da mata amazônica. É preciso impedi-los, antes que cheguem ao trópico úmido, à floresta tropical, para que não repitam o que fizeram no Pampa e na Mata Atlântica do Sul do país! Como diz Sérgio Buarque de Holanda, em ¨Raízes do Brasil¨, somos ainda hoje uns deserdados em nossa terra. Até hoje, parece que negro não pode possuir terra, nunca vi um fazendeiro negro. Do jeito que a coisa vai, parece que somos cópia dos Estados Unidos, pois no Sul o branco manda, se considerando superior ao nosso próprio povo¨...



CAPÍTULO CCLXV

...¨Por quê o governo não leva para a Amazônia o povo miserável, como o fez na 1ª Guerra Mundial, quando transformou em ´soldados da borracha´ milhares de nordestinos? Quem está indo para a Amazônia, levado pelo ´Projeto Rondon´, que os militares criaram, sob o lema ´integrar para não entregar´, é neto ou bisneto de europeu, estudou em escolas e universidades públicas e, agora, com dinheiro público, do povo, se renova como predador da natureza¨...

...De tanto praguejar contra tudo e contra todos, principalmente contra o ´invasor branco´ da Amazônia, foi interrompido por Isabel, que, intercedendo, apelou¨... Calma, amor! Pára um pouco¨...

...¨Ricos e pobres disputam os projetos integrados de colonização do governo. Ocupam de forma ilegal, grilam terras públicas e, cedo ou tarde, no final o governo tem que lhes pagar com títulos da dívida agrária. Se ao menos fossem para lá para crescer e melhorar de vida, mas, como os ancestrais, gananciosos, avançam sem parar e de maneira desordenada, predatória, corroem a mata e derrubam tudo, como qualquer capitalista, no intuito de ganhar dinheiro à custa da destruição. Não se iluda, Isabel, usam a natureza como bem de produção, sem nenhum amor pela mata, pelo rio, feito cupins. Infelizmente, os brasileiros que vão para lá são os descendentes de imigrantes, na maioria. Vão apenas atrás das riquezas, vêem a imensidão verde como viram no Sul a floresta de araucária. Eles têm serras elétricas no cérebro e o olhar laminado da avareza, é uma gente que empobrece a humanidade, uma ameaça ao ciclo da vida. Também vão para o Centro-Oeste. O alemão criou a Embrapa e um amigo meu, que serve no Batalhão de Engenharia, em Barreiras, Bahia, bem no centro do cerrado, no sertão abandonado do Planalto Central, me disse outro dia que os gaúchos já chegaram e estão derrubando a mata rasteira, para plantar soja e criar boi, sem levar na bagagem o sentimento genuíno de Pátria, de amor pela terra, pela gente, pela história e a cultura amorenada brasileira. Levam o objetivo do lucro, em nome da sobrevivência, para fazer crescer e multiplicar capital. São pessoas que enxergam as florestas como obstáculos a serem vencidos, em nome do lucro e do conforto. E o pior é que atrás deles vem mais gente, pessoas que farão o mesmo que as grandes empresas dizem. Eles dizem que a Amazônia deve ser colonizada pelo trator e a pata do boi. A última vez que passei lá foi há sete anos, quando a percorri inteira para montar a rede de correspondentes da revista. Fui a todos os estados e territórios, de Rondônia à Roraima, aliás, um foco de queimadas. Voei de Porto Velho a Cuiabá num monomotor, em baixa altitude. Só vi a fumaça das queimadas, focos de incêndios ao longo das estradas de terra cheias de caminhões, ônibus e mais ônibus carregados de gente vinda do Sul para povoar por povoar uma terra que está sendo destruída aos olhos do mundo, onde se comete todo o tipo de crimes ambientais. Uma gente que ignora o mais elementar, ou seja, que é na floresta e no rio que vivem os espíritos dos índios, das aves, dos animais e dos peixes, que ignora que na Amazônia está a maior biodiversidade biológica do mundo, que lá há mais formas de vida do que em qualquer outro lugar da terra. Esses crimes estão sendo cometidos na nossa frente. Quando utiliza a queimada, essa gente do Sul está preocupada é em destruir perigosíssimos inimigos, milhares e milhares de espécies de mamíferos, pássaros, inseticidas e bactericidas naturais, algumas formas primitivas de vida que nunca mais serão vistas, além de culturas e civilizações indígenas milenares, ainda não contatadas pelos civilizados, ameaçadas de extinção pela presença do ´homem branco´ na área, a pior doença, pois uma simples gripe pode dizimar uma tribo inteira e matar centenas de índios, vítimas do avanço das mineradoras, da agropecuária e das madeireiras, sem falar do agrotóxico. Os novos colonizadores da Amazônia me fazem lembrar o catequista Espanhol, Diego Landa, que quebrou e incendiou a biblioteca Maia, depois de concluir que eles, os conquistadores, eram inferiores aos ´selvagens´, e que, quando a Europa estava ainda na Idade da Pedra, àquele povo primitivo, que não conhecia o símbolo maior do assassinato, a cruz, já realizava uma verdadeira obra de arte, como civilização, e que era um povo que jamais se submeteria à cultura cristã do velho mundo. E foi assim que um frei, um imbecil, fez toda a sabedoria acumulada durante séculos virar cinzas, pó¨...



CAPÍTULO CCLXVI

...¨Isabel, amor, aldeias indígenas inteiras estão desaparecendo no Brasil. A mata está sendo desbastada, desflorestada hectare por hectare, e vastas áreas transformadas em agricultura ou pasto. O sulista carrega consigo, aonde for, como arma de modernidade, ´a cultura do ter´, que se baseia na destruição da natureza, na formação de latifúndios ou assentamentos de pseudo-reforma agrária, ambos degenerativos, porque já se sabe que o solo da Amazônia é pobre e não suporta as máquinas agrícolas. Existe algo mais importante do que o ´desenvolvimento´, que o Brasil e o seu povo, o ´progresso´, que está no centro da nossa bandeira, é bom lembrar, algo lento, natural, e olha que nunca fui positivista! ´Desenvolvimento´ é invenção capitalista! Como disse Caetano Veloso, ´é preciso estar atento e forte porque não temos tempo de temer a morte... Há muito que fazer¨...

...¨El gobierno nada hace?¨...

...¨Como? O Centro-Oeste e a Amazônia estão sendo utilizados para diminuir as tensões sociais, criadas pela ocupação desordenada de terras, no Sul do País. O governo não consegue fazer nada contra o contrabando, imagine contra essa gente que ele próprio, governo, leva para lá! Há muito tempo os contrabandistas e missionários estrangeiros levam em pequenos aviões nossas riquezas, que vão de pedras preciosas a minérios estratégicos de terceira geração, titânio, nióbio, zircônio, recursos minerais que são contrabandeados na nossa cara, do nosso paraíso de florestas, este fenômeno da natureza que é a Amazônia, um tesouro farmacológico inestimável com milhares e milhares de essências para novos remédio, a maior farmácia natural do mundo. E o mundo inteiro sabe (infelizmente, os laboratórios também) que a chave para a sobrevivência está na floresta; que 50% dos novos medicamentos são obtidos na natureza, venenos assassinos que se transformam em curas milagrosas; e os laboratórios estrangeiros investem fortunas atrás de plantas que possam resultar em novas e lucrativas drogas. Se fosse só para combater isto, já se justificaria a ocupação militar da Amazônia!¨...

Fez uma pausa...

...¨E o pior é que, na Copa do Mundo, o descendente do imigrante não torce pelo Brasil, sim pela Itália, Alemanha, Polônia, Espanha¨...

...¨Verdad?¨... indagou, espantada...

...¨Desculpa. É um exagero, mas, hoje, estou consumido de saudades do Brasil, como diria o poeta Evgeny Evtuschenko. E não vejo pecado nisso. Mas, dói ver o que se passa. Quer ver? Temos o Estatuto da Terra, dos militares, previsto na Constituição. Pois bem, é o melhor instrumento de reforma agrária já feito no país, e a esquerda nunca deu um pio, contra ou a favor, e no entanto não pára de rugir em defesa de uma ´reforma agrária´ diferente. Sabes onde eles quem a tal reforma? Nas terras devolutas! E quando os filhos e netos do sulista que estão chegando lá, crescerem, dirão papai quero minha terra, e irão atrás de florestas para derrubar, como fizeram no Rio Grande do Sul, até não haver mais mata para cortar e somente aquele tapete verde de pasto e lavoura, concentrador de renda. E o mais triste é que as coisas acontecem e a estupidez da esquerda só cresce, porque não se pode dar um único mérito aos militares! Quer ver uma coisa? Depois da Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, realizada há quase 10 anos, em Estocolmo, o ditador mais cruel, o gorila que veio antes do alemão, criou, milagrosamente, uma Secretaria para tratar do meio ambiente, a SEMA. Alguém da esquerda ou os intelectuais da Sociedade Brasileira Pelo Progresso da Ciência. Alguém disse alguma coisa? Não, porque a iniciativa foi dos militares! Não disseram nada, mas, mesmo assim, pelo que tenho ouvido na Voz do Brasil, as elites estratégicas do país, formadas de técnicos e servidores públicos, está ajustando a ação do novo órgão aos outros existentes, como o INCRA, da colonização e reforma agrária, e o IBDF, do desenvolvimento florestal, para que possam operar juntos, de forma integrada, o que é um avanço para que tenhamos nossa primeiras reservas ecológicas, na Serra da Mantiqueira e em Guaraqueçaba, numa área que, por ser de baixa densidade demográfica, fora destinada inicialmente à duas centrais nucleares, projetos que, por serem de tecnologia ultrapassada, ainda bem, foram cancelados. A nova Secretaria antecipou-se a qualquer decisão nova que a área energética pudesse tomar e deu um passo à frente, criando uma grande área de proteção entre São Paulo e Paraná. Não fosse esta iniciativa, o que restou de Mata Atlântica por ali, seria destruída pelos palmiteiros e grileiros de plantão¨.



CAPÍTULO CCLXVII

...¨A verdade é que, enquanto a esquerda cruza os braços à espera da queda do governo militar, a vida e a luta continuam e, sem haver participado de nada, como será que essa gente, no governo, vai resolver os problemas do povo? Refazendo tudo, só por refazer? O Brasil está mais claro, e eles não percebem. O Projeto Radambrasil mapeou o nosso solo e hoje conhecemos melhor cada região, sabemos claramente a nossa estrutura geológica, que temos as maiores reservas de ouro e ferro do mundo e o quanto somos ricos em combustíveis fósseis e outras riquezas minerais metálicas¨...

...¨Como sabes tanto?¨...

...¨Sou repórter, Isabel, e viajei muito. Não é só isso, por ´gostar´ tanto de americano, em primeiro lugar eu tinha que conhecer a terra onde nasci, para saber amá-la, como ensinou Olavo Bilac, poeta triunfalista do Império, com fé e orgulho¨...

...¨Não conheço¨, disse ela...

...¨Nem eu. É um parnasiano, desses que na escola primária nos forçam a decorar...

...´Criança! Jamais verás país como este!...

Pois não é que ele estava certo? Mas, continuemos de onde estávamos, na Amazônia, o paraíso ameaçado. Eu dizia que disciplinar a ocupação da Amazônia é fácil, desde que se faça uma curetagem na máquina administrativa, ao menos na parte mais ligada aos assuntos da terra, principalmente, e se mande de volta os gaúchos e seus vizinhos do Sul! Será que a esquerda só vai fazer alguma coisa quando chegar ao poder?¨, indagou, de repente...

...¨Estará preparada, por acaso? Será que é possível planejar alguma coisa nas mesas dos bares? Dói, Isabel, tudo isso dói; e assusta...

...¨Sabias?¨, e Isabel fez uma pausa, em nome da poesia...

...¨Em espanhol nenhuma palavra eqüivale ao significado que vocês dão à palavra saudade¨...

...¨Vai, não muda de assunto. Deixa-me continuar porque, hoje, também estou consumido de vontade de falar¨...

...¨Ótimo! Fala!¨...

...¨Não querem saber se o Brasil corre algum risco nem se a Amazônia é cobiçada pelas nações ricas, uma astúcia antiga, o expansionismo imperialista, iniciado com a anexação do Texas e Novo México, em 1847, que não parou, continua, de olho nas riquezas escondidas na floresta. Em 1909, William Taft, presidente dos EUA, afirmou claramente que o hemisfério ocidental um dia ainda seria deles. Baseado em quê? Ora, porque se consideravam ´racionalmente superiores´. E o ridículo disso tudo é que a Doutrina Monroe, proclamada pelos Estados Unidos em 1823, cuja pedra angular é o princípio de que o Novo Mundo deve solucionar seus problemas internos sem ingerência externa européia, teve, como slogan, a frase de Simon Bolívar, “a América para os Americanos”. Ou seja, para eles, os norte-americanos, que desde então exploram e invadem os países latino-americanos, como se fôssem o quintal deles. Os Estados Unidos não só se consideram os responsáveis pela América Latina, como, imagine!, defendem a tese de que a Amazônia pertence à humanidade. Claro, o Texas e a Califórnia ou o Alasca, não pertencem à humanidade, mas os marines, treinados para serem os melhores soldados, invencíveis, estão prontos a agir, em qualquer lugar do mundo, no desempenho do papel de polícia internacional do império, que gerencia seus negócios como uma empresa e que, portanto, não pode ter prejuízo. Porque a economia e a política dos Estados Unidos dependem das crises, das guerras e das revoluções em todas as partes do mundo, os submarinos e porta-aviões nucleares da nação guerreira estão engajados em vários teatros de guerra, carregados de mísseis e ogivas, singrando os mares do planeta para intimidar os povos mais fracos e manter a força global do império, sua monstruosa capacidade militar para fazer guerras, o que, aliás, está bem claro no hino dos marines, que diz... ...Dos corredores de Montezuma (Mexico)/às praias de Tripoli (Líbia)... ...Eles vão, estão em todas as parte do planeta. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, a 7ª frota da Marinha dos Estados Unidos está baseada no Japão, é o domínio absoluto do Pacífico¨...

...Passados alguns minutos, ele concluiu o que queria dizer, desde o início...

¨É importante e urgente colonizar a Amazônia, não com os mesmos predadores que meteram o facão nas matas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Mato Grosso, ou seus descendentes. É preciso consolidar, primeiro, a presença e participação militar na região. Os EUA já falaram e falam em dividi-la. Já quiseram, por exemplo, liberar e internacionalizar a navegação fluvial na Amazônia. Aquele gordo, Hermann Khan, diretor do Hudson Institute, um dos braços secretos do governo americano, chegou a sugerir que se represasse o rio e se construísse um sistema de grandes lagos nas terras baixas da Amazônia, com mais de 400 mil quilômetros quadrados, para permitir a navegação até as minas da Bolívia e Peru, fornecedoras de matéria-prima para as grandes indústrias metalúrgicas americanas. Tem cabimento? Somos responsáveis pelos nossos atos perante as futuras gerações. Se nada se fizer, logo serão levantadas barreiras para impedir que nós, brasileiros, exploremos o que é nosso ou conservemos a natureza para que no futuro nosso povo possa ter uma qualidade de vida mínima, compatível com a dignidade humana, uma vida melhor, alegre e fraterna, sem barreiras entre os homens. Se não me falha a memória, o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, dois ou três dias antes da morte do jornalista sugeriu a criação de um Banco Mundial de Matérias-Primas! Pode? Sabe o que significa? Uma tentativa de limitar e restringir a soberania de países em desenvolvimento, de controlar os últimos espaços disponíveis de recursos para o desenvolvimento. As nações mais ricas do mundo estão de olho na nossa Amazônia, Isabel, nesse lugar mágico, poético, um mundo que estamos apenas começando a compreender; lá, tudo é fantástico, seja no meio da mata ou nas terras altas, baixas, ou na beira do rio. O verdor infinito e frondoso da selva é mágico, é vida; uma gênesis perpétua, recriação ininterrupta de vida. Para onde você olhar, naquele momento estará nascendo vida vegetal ou animal, é incrível! Depois de Natal e Brasília, a Amazônia e seu labirinto de rios é o lugar onde me sinto melhor, um mundo que merece permanecer escondido, coberto pela selva. Duvido que exista algo mais lindo do que a tempestade tropical, no meio da floresta, mesmo cercado de insetos famintos, calor e umidade! O governo pode até errar, como os americanos na campanha do Go to West!, do Século XIX..

..Isabel interrompeu...

...¨Los gringos hablan del peligro de una catástrofe medioambiental en el Brasil¨...

...¨O problema é nosso, não deles. Sabemos que respeitar o paraíso que temos nas mãos é problema nosso. É nosso dever ir devagar na Amazônia, bem devagar. Primeiro, deveríamos ocupá-la militarmente. Depois, veríamos o que fazer com os civis, como levar, quantos, para onde, por quê. Se a abrirmos aos brasileiros, sobretudo aos sulistas, ai de nós! Eu vi o que eles estão fazendo em Roraima, no Acre, em Rondônia e Mato Grosso é apenas devastação! Mas, dizem que ¨colonizam¨...

...Ficaram alguns minutos em silêncio. Sentindo uma onda de tristeza, acariciou-a, massageou-lhe os ombros e ela perguntou, mudando de assunto...

...¨Você acha que la gente todita del mondo quiere el socialismo? Adonde se queda la libertad?¨...

...¨A gente não costumava falar de certas coisas, mas, depois que os tanques soviéticos entraram em Praga, em 1967, muita gente começou a refletir sobre o mundo socialista. Desde o começo os russos não entenderam que é impossível criar a sociedade comunista pura em uma ou duas gerações e, por esta razão, pelos seus erros, a experiência histórica do socialismo é traumática. Até 1945, somente dois países eram socialistas, União Soviética e Mongólia. Na 2ª Guerra, tornaram-se socialistas todos os países aonde o Exército Vermelho chegou primeiro, depois da derrota nazista e antes da chegada do aliado norte-americano. Quer dizer, um socialismo de Staline, na base da dominação. Em 1917, na Rússia, foi diferente. Era um país tão atrasado que surpreenderia ao próprio Marx, e lá a revolução pela paz, terra e pão, começou com um golpe de Estado, dado por forças minoritárias, os ´bolcheviques´. Em consequência da derrota do Tzar nas guerras contra Japão e Alemanha, que deixaram um saldo de cinco milhões de mortos, a Rússia encontrava-se totalmente arrasada¨, e aí ele imitou os acordes iniciais da 5ª Sinfonia de Ludwig Van, ...´chan-chan-chan´!...¨apareceu um gênio. Primeiro, ele propôs aos alemães um absurdo, a paz incondicional. Quem faria isso, paz incondicional? Somente ele, meu único e incondicional ídolo, Vladimir Ilich Ulyanov, Lenine. Foi graças à ousadíssima manobra que ele pôde tomar o poder, entregá-lo ao proletariado para pôr as idéias de Marx em prática, ou seja, nacionalização da economia, introdução do planejamento e supressão da propriedade privada. Infelizmente para o socialismo e para toda a humanidade, Lenine morreu cedo e quem o sucedeu, Staline, além de ser um homem que não acreditava no socialismo, só fez mal e o socialismo, sem ele, seria outro, porque Staline não entendia nem de Marx nem de Lenine¨.



CAPÌTULO CCLXVIII

Nesse momento, os olhos de Isabel brilharam, animando-a a discutir o assunto...

...¨A mí padre no le gusta Joseph Staline!¨...

...Tudo parecia mais claro, nessa viagem de regresso ao passado...

...¨Staline deformou o socialismo, fez dele uma autocracia. Sabe que idéia Staline tinha do socialismo? Todo mundo certinho, ensaiado, um caminhão de míssil atrás do outro, no desfile de primeiro de maio. Isto era o socialismo para ele, proletários, crianças e atletas assimétricos, submissos a um regime totalitário, numa sociedade fechada, sem oposição, num Estado fortíssimo. A idéia de revolução socialista era totalmente errada. Para exportar a revolução, Staline fabricou mais de 40 milhões de fuzis Kaliniskhov. Muitos países que se tornaram socialistas ao final da 2ª Guerra estavam completamente arrasados, destruídos. Ao serem libertados pelo exército soviético, não tiveram escolha e o socialismo foi imposto, de cima para baixo, sem nenhuma consulta ao povo, como ficou claro na ´Primavera de Praga´, quando a sujeira e as fissuras do socialismo ficaram expostas, evidentes. É preciso que se fale disso. Não poderá haver liberdade no socialismo, se for um regime de partido único. Não vejo necessidade de se implantar um partido conduzido pela elite do proletariado, como uma ditadura do proletariado, e de se adotar o centralismo democrático. Significaria entregar a sociedade à uma elite dirigente, mas, seja qual for a elite, está provado que o partido único e o centralismo restringem a liberdade. Staline o provou. O mais importante é a classe trabalhadora ter uma organização revolucionária dirigida ao conjunto dos setores populares, que dê resposta às lutas e se torne útil, para avançar nos objetivos perseguidos, ou seja, ir a todas as classes da população para construir um movimento revolucionário, pacífico, com teoria, propaganda política e organização. Assim, as massas poderão recuperar a democracia plena, o que, aliás, leva tempo e exige paciência, até que se destrua o capitalismo. Eu até acho que, para se chegar ao poder, não precisamos mais agir como uma organização clandestina, porque cada vez mais fica evidente que corrigir desigualdades sociais e acabar com o sistema capitalista é um anseio humano. O capitalismo fez da dignidade pessoal um simples valor de troca, despojando de sua auréola todas atividades até então consideradas dignas de veneração e respeito. Como está no Manifesto, no lugar das inúmeras liberdades já reconhecidas e duramente conquistadas, colocou a liberdade de comércio sem escrúpulos. Numa palavra, como disseram Marx e Engels, no lugar da exploração mascarada por ilusões políticas e religiosas colocou a exploração aberta, despudorada, direta e árida. Compreende-se por liberdade o livre comércio, a livre compra e venda, e, a partir da definição de liberdade como direito individual, com o indivíduo em primeiro lugar, o ser humano está sempre sozinho, dividido pelo capitalismo entre os que têm e os que não têm, mas posto bem antes dos interesses da maioria e da comunidade, exatamente como manda a democracia liberal capitalista, que exclui milhões de pessoas. É crime pregar o fim da propriedade privada, uma propriedade cuja condição necessária é a ausência de toda e qualquer propriedade para a imensa maioria da sociedade? O comunismo não priva ninguém do poder de se apropriar dos produtos sociais; o que faz é eliminar o poder de subjugar o trabalho alheio por meio dessa desapropriação¨.



AMANHÃ OS CAPÍTULOS CCLXIX, CCLXX, CCLXXI, CCLXXII, CCLXXIII E CCLXXIV


  

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05/11/2005 - O dia do golpe (31 de Março, 1964)
04/11/2005 - O dia do golpe (31 de Março, 1964)
03/11/2005 - O dia do golpe (31 de Março, 1964)
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01/11/2005 - O dia do golpe (31 de Março, 1964)
31/10/2005 - O dia do golpe (31 de Março, 1964)
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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques