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Cuiabá MT, 24/11/2024
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comTEXTO : Acerto de Contas

OUTRAS PUBLICAÇÕES
31 de Março, 1964
Acerto de Contas
Representação fictícia de fatos reais
27/08/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO CCLXIX

Falava com tanta insistência que a Isabel só restava concordar ou, mais uma vez, mudar de assunto. E foi o que ela fez, insistindo...

...¨E o partido único?¨...

...¨O regime de partido único não significa ausência de liberdade, exatamente, e é até mais fácil de entender. Qualquer classe, para atuar, na luta ou manutenção do poder, precisa de um partido e, se a classe majoritária ganhar, praticamente terá o maior partido. Não digo que deva exisitir um só, único. Não digo nem que haja necessidade de um partido. Hoje, tenho minhas dúvidas. Se tiver que haver, que possa e deva haver mais, dos camponeses, dos funcionários, enfim, muitos partidos¨...

...¨Se fosse hoje, o seu seria o partido comunista?¨...

...Não, este acabou. Dos nossos grandes talentos revolucionários só alguns restaram. Os melhores quadros do Comitê Central foram jogados em alto mar, a dez mil metros de altura, e o que sobrou ou ficou inutilizado pela tortura ou desanimou. Infelizmente, restaram uns aproveitadores, enganadores pequeno-burgueses, aqueles que o Partido introduziu na vida pública, porque não tinha ninguém mais para as atividades legais. Unas bestias, como diria Germán! Quis-se porque se quis ligar o partido a Moscou. De certa forma, Moscou apenas abrigava um ou outro, aqui e ali. O que representava para os russos o PCB? Nada! Hoje, o Partido não tem mais operários e só restam poucos intelectuais, amedrontados, confusos todos pequenos burgueses, viciados em politicagem, sentados em mesas de bar, sem nada fazer. Com a anistia e os novos partidos vão todos se candidatar, alguns só para defender interesses pessoais, na maior cara de pau. Quer ver? É só esperar. Eu sei que também vivo em mesa de bar. Mas vivo sozinho e por razões acima da minha vontade. Pequenos burgueses não fazem revolução. Tem que ser um partido de trabalhadores, enorme, forte, centralizador, mas, para ser capaz de liderar os trabalhadores tem que ter seus próprios militantes, operários, sem deixar-se dominar por padres ou profissionais liberais ou intelectuais. Por operários bem preparados, com capacidade para movimentar grandes massas. Tem que se organizar como força revolucionária, não como partido burguês, pronto para tomar o poder, mudar tudo e recomeçar do nada, dando prioridade à revolução econômica e política, sem se misturar com elementos da burguesia, um partido que possa juntar a riqueza nacional e a distribuir conforme as necessidades de segurança nacional, educação, habitação, saúde, enfim, um partido que mude o sistema, mas, pelo amor de D(eu)s, sem intelectuais e estudantes. Porque, aí, surgirão as divergências internas a troco de nada, para atrapalhar tudo, e o despreparo vem atrás. A questão é simplesmente dar o poder a quem trabalha, e a maioria deve decidir; a minoria, obedecer, ao contrário do que é hoje. Mas uma maioria de trabalhadores, decidindo pelo voto, porque mais fortes, como disse ´Corisco´, no filme de Glauber Rocha, ´Deus e o Diabo na terra do sol´, são os poderes do povo. Quem possui os meios de produção é que deve ter o direito de assumir o poder político e econômico, ou é a massa que sofre manuseando-os? Nada de filosofia barata, pequeno-burguesa, que é só o que esses estudantes, intelectuais, frades e padres sabem fazer. Pode ser no pluripartidarismo, não importa. Meu medo é que surja no Brasil um partido operário desligado da teoria socialista e que faça política como um partido burguês qualquer. Para se chegar a uma organização política e social adequada, com a tomada do poder pelos trabalhadores, com a substituição do governo e da máquina estatal, ainda haverá muita luta. Até que o primeiro passo seja dado, a tomada do poder, teremos que passar antes pelas graves crises do capitalismo, previstas há muito tempo, antes mesmo de nascermos¨...

...¨Às vezes¨, disse, em voz baixa... ¨Lenine, meu único plano a longo prazo e verdadeiro propósito da minha vida, falava por mim¨...



CAPÍTULO CCLXX

Lembrou-se que semanas antes de conhecer Isabel, arriscando-se a ser preso ou internado como louco, publicara em A República trechos do primeiro capítulo de ´Que Fazer?´ com as adaptações e atualizações à conjuntura histórica política e à estrutura social brasileira, pois afinal o alemão não era um Tzar. Mudara o título para ´Como Fazer´, e repetiu a máxima de que ´sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário. Você pensa que alguém entendeu? O Exército entendeu, um velho comunista daqui também entendeu, a esquerda ficou apavorada, perdida no pântano, com medo de que fosse a senha para um golpe ou algo assim. O governador biônico também entendeu e hoje eu acho que me afastaram do jornal ou por isso ou porque, quando o cantor Gilberto Gil passou por aqui em 1978, depois de ser preso em Florianópolis, por uso de maconha, publiquei um artigo. Defendi-o, disse que a canabis é produto da natureza como tomate, maçã, caju e que só quem sabe onde é Luanda, sabe dar valor a um negro orgulhoso da cor. A liamba veio de lá, faz parte da sagrada cultura angolana que os escravos nos trouxeram. Depois, Gil fez a música ¨Palco¨, que está num disco que toca muito, lançado há pouco mais de um ano, pelo grupo baiano, A Cor do Som, e que entrou no disco ¨O luar¨, do próprio autor...

...”Trago a minha banda/Só quem sabe onde é Luanda/saberá me dar valor¨, e na Bahia ninguém fala de Luanda. Os negros de lá vieram do Benin, Nigéria, Costa do Marfim. É em Natal que se fala de Luanda, ali, do outro lado do mar. Imaginou, Isabel? Lenine e a defesa da maconha, como um pedido de clemência para um grande artista popular, publicados num jornal estatal, em pleno governo do alemão? Em ambos os casos, quem mais se escandalizou foi a esquerda. Fizeram a maior fofoca, nas rodinhas do Grande Ponto, no Palácio Potengi. Enfim, a esquerda é mesmo assim, nojenta, traiçoeira. Não faz nada e quando alguém faz ela aniquila. No dia 7 de setembro de 1979 publiquei no segundo caderno de um jornal de Brasília, um poema, sem medida, cadência ou rima, uma alegoria fantástica em que eu misturava a nave May Flower, George Washington e nossa independência, descrevia o desfile, a parada militar, com todos aqueles soldados mortos de calor no Eixão e o enorme general chefe do SNI, de capacete, montado em seu enorme cavalo branco. No poema eu dizia... ¨Criança, ainda não há liberdade/Nesse desfile haverá/Quem garante, fardado/Em continência, nesta manhã/ Estará lá¨...

...¨Sabe, Isabel? É fácil entender a esquerda. Ela não aceita o fato de me sacrificar pelo direito de falar, de pregar o que devo e o que deve ser falado, nos momento que vivi e vivo, como um verdadeiro comunista. Um coleguinha do jornal, goiano de Catalão, perto de Brasília, correu ao gabinete do diretor do condomínio, administrador do jornal, com os artigos de outubro de 1975 na mão. Pediu a minha demissão, perguntou o que eu queria dizer com aquilo, que eu era perigoso, que a direita soltava bombas em bancas de revistas, um monte de besteiras, só porque eu, quando todos calavam, me atrevi a dizer o que ninguém queria dizer, mas que todos queriam dizer. E eu estava no meio da luta, sabia o que fazia, entende? A esquerda sabe disso, também, mas é mesquinha por natureza, não consegue cobrir a face acomodada de classe média. Trotsky estava certo ao mandar classe média e esquerda, o que há de mais retrógrado, para a lata de lixo da história. Para você ter uma idéia de como são as coisas, A República foi o único jornal brasileiro a publicar o Manifesto em Defesa da Cultura Popular, organizado por Giuseppe Baccaro, de Olinda. Ninguém mais ousou publicá-lo, com medo do alemão. Sabe quando isso ocorreu? Menos de dois anos depois da Jacarta! E a censura da linha dura não disse nada! Não só publiquei-o como assinei um comentário. Para quê!? Um ex-militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, irmão do vice-governador e um dos diretores do jornal me chamou num canto e disse para não fazer mais aquilo. Não devemos provocar os militares!¨...

...¨Samuel me contou que você apoiou os militares. Foi por isso, para tomar o poder?¨...

...¨Quem dera! Fiquei com os militares porque, pela primeira vez na história, depois de Getúlio Vargas, eles confrontaram interesses dos EUA, país que já nos causou e nos causa grandes males, que matou ou ordenou a morte de muitos brasileiros, aqui dentro, no meu país, no seu país, em todo o mundo. Fiquei porque quem manda nos EUA são os mesmos e antigos patrões da revolução industrial. Sabe, Isabel, eu combato os EUA porque atacá-lo é atacar, diretamente, o capitalismo¨.



CAPÍTULO CCLXXI

¨Não demora e poderemos, aqui mesmo, no Brasil, de peito aberto, sem partido, atacar diretamente este sistema apodrecido e cruel. Hoje, os países industrializados são os patrões e as nações pobres e subdesenvolvidas são o proletariado. As relações são um espelho, são as mesmas e se repetem, em escala. O capital maior derrota o capital menor. Os EUA são a pior face do capitalismo, um imperialismo filho da industrialização, que desde a fundação não para de crescer. Para garantir superioridade, ensinam que as empresas são mais eficientes do que o Estado, o governo, dizem que o Estado não presta, que tem que sair da área econômica, para que eles possam impor as leis que lhes interessem, e assim dominar os mercados, fixar os preços de importação e exportação e as taxas de juros que quiserem, tudo cooptado com os oligarcas nativos. Engels disse que em última instância a economia é o fator determinante nas relações entre a base da sociedade e as superestruturas e isto fica cada vez mais claro quando a gente vê que em cada crise do capitalismo o imperialismo cria, conduz o mundo à novas guerras e impõe, simplesmente, novas regras de sobrevivência, a cultura do consumo pela exploração dos recursos naturais. Mas, a gente pode perguntar, até quando? Quem vai defender os interesses da sociedade? A IBM? A Ford? Os políticos, pagos por elas? No Brasil quase tudo o que é capital, é norte-americano ou europeu. Dá na mesma. Quase não sobra nada daquilo que chamamos nosso país. Desde a vinda de Dom João VI estamos sempre e cada vez mais endividados. O filho, D. Pedro I, endividou-se em libras esterlinas para fazer a independência e os que vieram depois, nunca mais pararam de pedir novos empréstimos para pagar juros e renovar a dívida. Às vezes eu penso que nunca paramos de dever à Inglaterra!¨...

...Isabel deu um pulo e exaltou-se...

...¨És eso, amor! La deuda externa de mi país empezó antes mismo de existir El Ecuador. Simon Bolívar ainda discutia o tamanho de mi país e já na Europa se vendiam títulos de um país que ainda não existia! Todos aprendemos isto, en la escuela!¨...

...¨Adorei você ter falado nele!¨...

...¨Em quem?¨, indagou Isabel, sem entender.

...¨Em Simon José Antonio de la Santíssima Trindad Bolívar y Palácios, meu pequeno grande maçom, outro grande ídolo meu¨...

...¨Madre mia, que memória! És este, si, el nombre completo de Bolívar, com todos sus apelidos. Foi ele quem criou o meu país¨...

...¨Para você ver como atrás de tudo estão os capitalistas, disse, feliz da vida, essas aves de rapina exploravam o Equador e o país nem existia. Antes, era Londres quem assacava o mundo. Hoje, é Nova Iorque, associada, of course, aos irmãos bretões. Para defender o capital combatem com ´marines ou armas especulativas da economia, talvez mais perigosas do que as convencionais, ou com ameaças escabrosas, como a corrupção y otras cositas más, como lo dicen ustedes. Sempre impõem regras, quebram países, submetem os outros, uma nojeira só. Se a economia capitalista impõe a competição como regra entre os seres, esta competição torna-se ainda mais feroz. Veja o que aconteceu depois da primeira guerra mundial, por exemplo. As grandes nações capitalistas preferiram sacrificar a democracia, que sempre confundiram com o liberalismo capitalista. Fecharam os olhos às ditaduras, estimularam a guerra ideológica na Alemanha, Hungria, Tcecoslováquia, Polônia, Romênia e Itália permitiram a ascensão de Hitler, Mussolini e de muitos outros, inclusive na América Latina, como forma de enfrentar o movimento operário. Depois da revolução russa, até 1929 os Estados Unidos financiaram os alemães. Independente de o partido ser de Hitler, de ser nazista ou não, financiariam mais, se não tivesse havido o crash da bolsa de Nova Iorque, quando as ações já não tinham relação com o valor das indústrias que representavam e todos perderam suas economias. O capitalismo ainda é o mesmo, não mudou. Vende a mãe, se der lucro, e o que é pior, vende-a e entrega-a. O capitalista não merece confiança nem contemplação¨...

...¨Usted acha mesmo que o capitalismo vai acabar?¨...

...¨Sim, e já estamos vivendo uma situação histórica transitória em que, numa, duas ou três gerações, isso poderá começar a acontecer, em escala mundial, porque não há regime imutável. O que Marx previu, está acontecendo, essa revolução técnica incessante em que, para expandir o espaço e contrair o tempo da acumulação e fazer surgir o homem portador das novas necessidades em expansão, a sociedade capitalista seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, a ampliar o espaço geográfico inserido nesse circuito e o limite desse espaço seria todo o planeta; a criar permanentemente novos bens e novas necessidades, cada vez mais, o supérfluo, os bens e necessidades voltados para a fantasia. Ou seja, para incluir o máximo de populações no processo mercantil, a meta absurda da sociedade capitalista é formar a formar um sistema mundial, em que tudo é mercadoria, em que se produz loucamente para se consumir mais loucamente, e se consome loucamente para se produzir mais loucamente. Produz-se por dinheiro, especula-se por dinheiro, mata-se por dinheiro, corrompe-se por dinheiro, organiza-se toda a vida social por dinheiro, só se pensa em dinheiro. O capitalismo é inimigo da arte, , da solidariedade, da ética, da vida do espírito, do amor, se tornou imensamente destrutivo, é insaciável, mas como sempre há um porém essa acumulação contínua terminará sem dúvida numa disparada da acumulação financeira global e, aí, sim, o capitalismo entrará na sua grande e derradeira crise, pois a acumulação de capital não poderá mais ser o eixo em torno do qual a vida social se organiza, terá que haver algum outro princípio de organização da vida social. Em muitos países o socialismo ou a social democracia se consolidam, o povo não é tão burro quanto se imagina! O povo quer viver e mais fortes são os poderes do povo! Se um asteróide ou um cometa não colidir com a terra, antes, dentro de poucas gerações não haverá mais capitalismo!¨.



CAPÍTULO CCLXXII

...¨Madre mia, amor!¨...

...Isabel bateu três vezes na madeira, ¨isto de asteróide não pode acontecer y sabés porque? Um escudo de pérolas cósmicas surgirá do espaço, um gigantesco colar, para nos defender. O objeto que nos atacar será partilhado em milhares de pedaços. Qualquer coisa que nos queira atingir será destruída¨...

...¨Engraçado, Cris, aquela menina que se matou em Olinda, se referia também a ameaça de uma grande chuva de meteoros. Se você tem esta capacidade de previsão, como esta, do escudo de pérolas cósmicas, me ajude a fazer 13 pontos na loteria esportiva!¨...

...¨Sei que pode acontecer uma catástrofe, mas espero que não aconteça e não acontecerá porque a gente simples tem fé, e a fé remove montanhas!¨...

...¨Será que pulveriza o asteróide da Cris?¨...

...¨Bom, voltemos a algo mais concreto, ao capitalismo¨, e ele continuou, ¨ao contrário do asteróide, o capitalismo se autodestruirá porque, antes de tudo, é parasitário e o seu apodrecimento é visível. Será uma reação em cadeia e o colapso econômico virá, sem dúvida. O perigo, para a humanidade, é que os Estados Unidos reagirão quando perceberem que a riqueza deles estiver sendo destruída. Os países precisarão preparar-se, inclusive na África e América Latina, equipando suas forças armadas com porta-aviões, submarinos, supersônicos, para não expor seus povo a perigos. Não é nas estrelas que está escrito que o capitalismo vai acabar, é na História. Para tentar salvá-lo as grandes potências e as multinacionais criaram um mundo financeiro e interimperialista, dividido em parcelas. Embora o capitalismo seja um sistema de expansão contínua, infinito não é, porque não se pode viver eternamente de juros, essa nova-velha forma de escravidão. Quando não houver mais possibilidade de lucro, o próprio sistema se autodestruirá e, com ele, os grandes complexos industriais e financeiros e a alta burguesia. Foi o interimperialismo quem criou o Fundo Monetário Internacional, um órgão frio, sem alma, monetarista, teoricamente para facilitar o crescimento do comércio mundial. Ou seja, criou-se um órgão que funciona como um banco, para supervisionar a dívida externa dos países membros, mas a serviço somente do capitalismo mais selvagem que existe, o financeiro. O que é o FMI, um órgão criado para regular as finanças do mundo capitalista ou para vender dinheiro caro aos países periféricos? Desde a criação está sob o domínio do dólar. Um órgão que apenas preserva os próprios interesses, e não está aí para manter a estabilidade econômica dos países. Onde é a sede do FMI? Quem sãos os maiores acionistas do FMI? EUA, Alemanha, Japão, França e Inglaterra. Ora, está na cara que o mercado financeiro internacional desses países é mais importante do que qualquer país. Foi a concorrência entre estados capitalistas o que nos levou ao imperialismo e será esta concorrência que criará condições para a instalação do socialismo. O FMI cada vez mais é interventor, juiz e algoz dos devedores. Para quê? Para desnacionalizar as economias, o que não resolve nada! Dois terços do mundo vivem mergulhados na miséria, trabalham como escravos para um mercado que dá lucro a pouquíssimas pessoas. Será que não compreendem que é a pobreza que produz a violência, que o crime é fruto da miséria?¨...

...¨Até quando o capitalismo resistirá?¨, perguntou Isabel.



CAPÍTULO CCLXXIII

Depois de algum silêncio, ele foi o mais direto que pôde...

...¨Olha, desde que apareceu o capitalismo prepara o caminho para a própria destruição, porque explora os próprios alicerces, ou seja, os que trabalham e os que consomem. Já há uma grande crise e a autoflagelação final será a transição para algo melhor, e aí o caos reinará, absoluto. A necessidade de matérias-primas, especialmente de petróleo, aumenta dia-a-dia e logo tentarão o hidrogênio como alternativa energética, e a água valerá ouro, com muita disputa. É por isso que eu digo que as fontes energéticas e os instrumentos de produção precisam, devem e têm que ficar nas mãos do Estado, que é quem gera e acumula recursos e riquezas. A solução não será, evidentemente, o capitalismo de Estado, porque a propriedade e o lucro continuariam. A solução será mesmo a propriedade coletiva dos meios de produção, de acordo com as necessidades, e aí não haverá mais diferenças de classes sociais. Quando o proletariado, camponeses, estudantes, o povo enfim, estiverem organizados como classe dominante, estaremos a caminho do socialismo e então não haverá mais capitalismo. As lutas serão locais. O Estado terá que se fortalecer para defender os valores estratégicos, as riquezas das nações, e realizar de forma criativa as grandes transformações sociais. Cada país decidirá seu futuro e cada povo, o futuro de cada país. Os governos das grandes potências e as multinacionais sabem que o padrão de vida dos países pobres pode melhorar, mas cobram caro pela tecnologia capaz de possibilitá-lo, para manter o ciclo vicioso da dependência econômica...

...¨És exactamente lo que se pasa en mi país, amor¨...

...¨E também é igualzinho ao que o patrão faz com o empregado. E viva o internacionalismo! Uns anos atrás conheci um comunista grego, um velho engenheiro chamado Aristóteles, um dos primeiros presos políticos em 1964. Vive em Brasília. Ele une ao marxismo o normalismo e diz que o capital resistirá, ainda, por um tempo, um quarto de século, se muito. E que os governos usarão de tudo, contra os comunistas, principalmente, para explorar a periferia, os países pobres. Como disse Eduardo Galeano, que todos deviam ler, que a economia norte-americana precisa dos minerais da América Latina como os pulmões necessitam do ar e esta dependência é perigosamente crescente. A CIA preocupa-se mais em garantir os interesses dos grandes grupos dos EUA, do que a própria segurança nacional daquele país, que representa, sem tirar nem por, os patrões. A CIA faz e desfaz presidentes mundo afora. Ainda bem que se deu mal aqui, com o alemão¨.



CAPÍTULO CCLXXIV

¨Viva Marx!¨, exclamou, em meio à explicação, contente de ver que reassumia integralmente a própria causa...

...¨Viva um ser humano que dedicou a vida a pensar por nós¨...

...¨Viva, como não?!¨...

...Ele mal conseguia respirar entre uma oração e outra, de tão entusiasmado; rindo do entusiasmo, Isabel pediu-lhe para abrir outra garrafa de vinho, queria brindar a Marx, Lenine, à Nicarágua, a Samuel, ao alemão, enfim; queria brindar, enquanto prosseguia...

...¨Se ainda não pertence, porque é libertário, é internacional, um dia o marxismo será totalmente da humanidade! Não depende de um país, como a Rússia, ou Cuba, China, por exemplo. É uma força autônoma, é a História! Parou de falar, sufocado pelas lágrimas que espontaneamente brotavam e corriam pelo rosto, e Isabel sugeriu-lhe que ao voltar o fizesse em tom mais baixo...

...¨Não fales alto que não estás num comício¨, sorriu, depois de algum silêncio. Nas circunstâncias presentes muita coisa se passava na cabeça, como se o passado houvera voltado e era a voz do bom Lúcius emergindo no cérebro...

...¨Se o passado fosse importante os olhos seriam na nuca, atrás da cabeça. A humanidade pode produzir tudo o que necessita sem explorar o outro, sem destruir a natureza. E olhe que as máquinas modernas são meios de destruição poderosíssimos! Esses ecologistas de Natal, por exemplo, que hoje protestam contra a construção da Via Costeira, apenas são contra o turismo. Um dia, desde o farol até Ponta Negra, tudo será ocupado por hotéis. E daí? Não somos um estado pobre, o Rio Grande do Norte? Turismo é uma indústria igual às outras e não polui, além do que, atrai investimentos para ajudar muita gente que não tem o que fazer. No dia em que defenderem os trabalhadores das salinas defenderão o mangue, fauna, a lenha que as padarias queimam para fabricar o pão de cada dia. Como será o casamento da ecologia e do marxismo? Creio que será uma lua de mel, de amor à primeira vista e à vida, antes de tudo!¨...

...Pensou nisso tão rápido quanto na face rolou a lágrima rubra da antiga coragem, renascida dialeticamente à força do amor. Desnudava-se, deixava cair a máscara enquanto pregava e a memória recuava velozmente, num refluxo tal que dava a impressão de virar-se pelo avesso e às vezes, de fato, no fluir das divagações, isso lhe ocorria. Isabel olhara-o perplexa de admiração nos últimos minutos, e ele percebera. Recordava o passado e lhe veio à lembrança na retrospectiva do terror a constatação de que, exatamente naqueles meses, iniciava-se o segundo ano do governo do general de cavalaria que jurara fazer do país uma democracia, e o comunismo era e continuaria a ser algo proibido, como no Brasil sempre fora...

...Para descanso da consciência, havia algo mais a ser dito e ele entusiasmou-se outra vez...

...Ao vê-lo tão angustiado, tenso, Isabel preocupou-se, sobretudo quando, dizendo que não queria sabotar a memória que não parava de expelir seu extremamente sofrido e conturbado passado, perguntou-lhe se podia falar de certas coisas ultra-secretas, cravadas no pensamento como punhaladas. Abrira uma porta oculta da memória, achava-se diante de algo que não queria calar, súbitas e tristes recordações e então perguntou a Isabel se podia contar algo que, por ser um relato contemporâneo, era muito reservado...



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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques