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Cuiabá MT, 24/09/2024
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Tema Livre Só pra quem tem opinião. E “güenta” o tranco

comTEXTO : Acerto de Contas

OUTRAS PUBLICAÇÕES
31 de Março, 1964
Acerto de Contas
Representação fictícia de fatos reais
28/08/2005- Talvani Guedes da Fonseca



CAPÍTULO CCLXXV

...¨Promete não contar a ninguém?...

...Isabel disse que não só ouviria, como esqueceria, imediatamente...

...¨Claro, amor. Não confias em mim?¨...

...¨É que me entusiasmo, posso falar o que não devo, coisas que sei que aconteceram, mas que são difíceis de contar, por serem impossíveis de provar¨...

...Pouco a pouco ela passou a ouvir uma das piores histórias de uma época perigosa, ainda em vigor, sem que ninguém fizesse nada para descobrir os responsáveis ou os autores dos atos terroristas, das bombas continuavam a explodir em bancas que vendiam jornais alternativos...

...Mais do que nunca, a insegurança se estendera ao conjunto da sociedade e para provocar a esquerda, sem saber que o monstro criado no submundo da direita pelo general bruxo adquirira vida própria, que caíra em mãos de segmentos radicais da linha dura, contrários à abertura, ironicamente o governo culpava-a pelos atentados....

...¨O mais incrível, Isabel, é que naqueles dias eu publicara em Natal um artigo, considerado premonitório, e logo depois, no Rio de Janeiro, quase aconteceu uma tragédia...

...¨De que hablas, hombre¨?...

...Foi durante um ´trabalho de rotina´ da linha dura, houve um atentado que poderia matar dezenas, centenas de pessoas inocentes que estavam reunidas num ginásio lotado, para comemorar o primeiro de maio¨...

...Em princípio, a revelação não perturbou Isabel, mas sua linda face foi se transformando, por um momento, reinou o silêncio e súbito, ela exclamou...

...¨Yo vi en la tele! Que loucura, meu d(eu)s! Estou toda arrepiada, só de lembrar. Que foi aquilo, amor?¨...

...Convicto da condição de testemunha silenciosa e viva da história, disse ele respondeu que foi o fim da farsa do terror oficial...

...¨E não foi por casualidade, é por isso que lhe peço todo o segredo do mundo...

...¨Ai de mí, Dios mío. Fica tranquilo, amor. Por supuesto, también le voy hacer una pregunta!¨...

...Faça-a...

...¨Juras vas decir la verdad, toda la verdad y nada mas que la verdad?¨...

...Ah! Não enche, Isabel. Estou falando sério!...

...¨Entoces?! Juras?!?¨...

...¨Sim, eu juro¨, continuou abrindo as gavetas dos arquivos da face mais dramática da história secreta, o secretíssimo combate ao terror, fatos reais, do dia a dia, desses que, na pressa de produzir diariamente notícias e mais notícias, a imprensa quase nunca cobre ou registra direito. Retirando deles histórias que continuavam vivas, numa fluente recordação de um passado povoado de recordações fantasmas, num tom de voz tenso, passou a apresentar relatos vivos, que vinham da memória, e quase chorou quando disse que, finalmente e felizmente, a luta interna, silenciosa e sem face contra o terror, havia produzido seu primeiro e grande resultado, mas, ainda havia um grupo que insistia em sabotar a democracia e a única maneira de enfraquecer a linha dura seria desmascarando-a, a começar por seu braço armado, o terror oficial...

...¨Pois bem, Isabel, alguém decidira ser a hora de os sabotadores experimentarem do próprio veneno!¨, e dito isto, explodiu em lágrimas, atirou-se no colo de Isabel e ela durante alguns minutos alisou-lhe os cabelos, ouviu-lhe o choro, os soluços abafados, e quando ele se acalmou e as recordações voltaram de novo à tona, voltou à narrativa sem pressa, as palavras saindo articuladas e claras...

...¨Quem entregou os explosivos aos terroristas no dia do atentado foi alguém que discordava daquele método criminoso e, numa tentativa desesperada de tentar desativar a monstruosa e descontrolada organização, criada pelo bruxo, alguém, conscientemente, decidiu decretar o fim do terror oficial, que aquele seria o último ato da mais obscura época da nossa história...

...Infiltrado na monstruosa unidade do terror, um perito da Academia Militar de Agulhas Negras instalou em alguns dos artefatos, separados para uso em atentados, micro detonadores de retardamento de tempo, praticamente invisíveis, dispositivos especiais de disparo capazes de transmitir ondas de choque de altíssima velocidade, acopladas a transmissores por controle remoto, para acionar espoletas elétricas e fazê-las explodir antes do tempo ou no tempo que se determinasse...

...Numa exclamação de admiração, Isabel respirou...

...¨Meu d(eu)s!¨...

...Mergulhando no silêncio, chorando, demorou mais de dois minutos invocando as memórias, antes de voltar à narração...

...¨Nessa operação, maldosamente batizada de Dia do Trabalhador, se os terroristas tivessem seguido pela Lagoa Rodrigo de Freitas, as bombas deveriam explodir dentro túnel da Barra. Por muito pouco, quase tudo deu errado porque, ao deixar o quartel na rua Barão de Mesquita, mudando de idéia, o capitão trocou o roteiro previamente combinado. Em companhia de um sargento, em traje civil, como ele, seguiu para a estrada velha Grajaú-Jacarepaguá. Pararam numa churrascaria, no alto da serra, para encontrar outros terroristas, que lá os aguardavam, tomando cerveja, e repassaram o plano terrível, elaborado em Brasília pelas mentes ocultas dos notórios assassinos da linha dura, apavorados com a irreversibilidade da abertura. O capitão não sabia, mas fora seguido o tempo todo, estava sendo observado. Ele deixou o carro estacionado num lugar pouco iluminado, ao lado da churrascaria, e isso foi tudo o que o perito em bombas desejava que acontecesse. Se à tarde, com base no roteiro inicial, já alterara os dispositivos, agora teria que alterar tudo, de novo. Correu até o veículo, mexeu numa sacola que estava atrás do banco do passageiro, refez tudo, instalou uma imperceptível conexão, um outro artefato de maior poder destrutivo, no mecanismo de detonação da bomba principal, reprogramou-a para explodir ao ser manuseada. Ainda bem que os terroristas não perceberam a ação. Sobre a mesa que ocupavam no fundo da churrascaria, examinavam a planta baixa do Rio Centro e até brindaram... se soubessem o que os esperava, teriam voltado, dali mesmo...

...Tensa, balançando a cabeça, Isabel exclamou¨...

...¨Que horror!¨, e nesse ponto da narrativa, sobrepujado pelas lembranças de tantas coisas tristes, ele enxugou os olhos marejados, e desabafou, quase em sussurros...

...¨Deixaram a churrascaria felizes da vida e saíram em alta velocidade, em três carros, o capitão dirigindo um Puma, o mais veloz carro esporte nacional e, pisando fundo no acelerador, chegou ao pátio quase deserto do Rio Centro bem antes dos outros¨...

...Acompanhando a narrativa como se visse um filme de terror, Isabel comentou...

...¨Es una historia sorprendente!¨...



CAPÍTULO CCLXXVI

Como se narrasse de fato um filme de terror, ele continuou...

...¨Sem saber que o detonador de contato por controle-remoto fora colocado, enquanto o sargento manuseava a carga de Plastex/RDX, o capitão ouvia música no rádio do carro e, de repente, ´bum!´ O pátio foi sacudido por um enorme estrondo, um estrondo que selou em definitivo o destino da linha dura, marcando o fim do mais secreto e violento capítulo da história brasileira. A bomba explodiu no colo do sargento, Isabel, e ele morreu na hora. Gemendo de dor, coberto de sangue, contorcendo-se, gravemente ferido, o capitão só falava uma coisa, que não podia morrer, sua filha tinha nascido. Uma outra carga explosiva, instalada por outros terroristas envolvidos na operação, explodiu logo depois, na casa de força do pavilhão, mas, para que seu potencial não servisse nem para assustar, fora danificada deliberadamente...

...¨Onde você estava?¨...

...¨Longe, bem longe e, ao mesmo tempo, bem perto, de alguma forma, lá dentro¨...

...¨Não entendi¨...

...¨Eu não estava no local, se é isso o que você quer saber, não estava nem no Rio de Janeiro¨...

...¨Onde você estava?¨...

...¨No lugar certo, em Brasília, mas isso não vem ao caso. O fato é que, apesar de tudo, desse lado trágico, humano, da morte do sargento e do capitão ferido, à beira da morte, foi sensacional porque se não fosse eles, milhares de pessoas inocentes que se encontravam no pavilhão, seriam atingidas e haveria muitas mortes, eram cerca de dez mil pessoas, aguardando o show de música popular do 1° de maio, dia do trabalhador, organizado por sindicalistas e grupos de esquerda. Todas saídas estavam trancadas com cadeado, as explosões causariam uma grande tragédia...

...¨D(yo)s mio!¨...

...¨Ninguém entendeu nada, nem na hora nem depois, levaram dias, semanas, meses para que se começasse a suspeitar de que não fora acidente, mera casualidade, a explosão no carro. O importante é que aquelas pessoas não foram salvas pelo acaso e ao descobrir que o atentado ao atentado resultara da ação de membros da história anônima, que desejavam poupar o Exército da vergonha que sujava seu nome, a linha dura não só teve que admitir o próprio fracasso, como viu ir por água abaixo a tentativa de jogar a culpa na esquerda. Nunca, jamais uma informação concreta apareceu, por mais que o SNI e o próprio Exército investigassem, uma barreira de silêncio se ergueu sobre o caso. Nunca se soube qual organização, se é que havia alguma, teve a coragem de agir dentro da direita, da mais extremada, para contê-la e destruí-la. O que posso dizer é que quem entrou naquele carrinho Puma, no estacionamento da churrascaria A Cabana da Serra, onde antes ou depois das clandestinas operações de terror os terroristas sempre reuniam, prestou mais que um grande serviço ao país, mudou a história e a esquerda, vítima salva da tragédia, jamais soube disso, nem nunca quis saber. Para variar, escondeu-se, enquanto a linha dura, atingida no coração, com a jugular sangrando, perdia o resto de força que tinha. Se tivessem que punir alguém, o primeiro seria o general bruxo, criador do monstro que se voltara contra ele mesmo, forçando-o a pedir demissão do cargo de Ministro, porque não podia falar. Se abrisse a boca, morria. Ele, não; não podia falar e como não tinha outra saída, além de pedir demissão, o que fez semanas depois do fracasso do atentado. Abandonou no meio do fogo cruzado meu general de cavalaria e sem conseguir convencer ninguém, saiu do governo dizendo que o fazia por discordar do terror, que ele próprio criara. Claro, para os ´italianos´, saiu como herói; para o Exército, como calhorda. Na minha opinião, saiu porque tinha medo e porque sabia que quem fez aquilo o tinha como culpado número um daquela e de outras mortes. Foi ótimo ver aquele assassino frio, o arquiteto do golpe de 1964 e da máquina do medo, um general que despachava ordens secretas porque sabia que seriam cumpridas à risca, cair em desgraça. Ele, o inventor do monstro. Por coincidência, o bruxo assinou o pedido de demissão no dia 6 de agosto de 1981, ano passado, dia do meu aniversário. Depois de muita insistência, eu entrara na sua agenda e, pela primeira vez na minha vida, estaria frente à frente com ele, numa audiência que ele, dizendo-se assoberbado, cancelou. Canalha! Levei meses para conseguir a audiência, e, na hora agá, ele falha, cancela tudo!¨.



CAPÍTULO CCLXXVII

Interrompendo o comentário, recordou a surpreendente antevisão da situação nacional, feita por Luís Maranhão, quase dez anos antes, e que a História provava ser verdadeira. Por volta de 1971, ao fazer um balanço político de sua geração, pouco antes de sumir dissera-lhe Luís Maranhão que, de certa forma, todos os estilos de fazer revolução estavam ultrapassados...

...¨Não venham me taxar de revisionista por dizer isto, mas os tempos estão mudando e a evolução não para. É bom vocês meterem em suas cabeças que a luta pelo socialismo não é retilínea. Mais do que nunca precisamos penetrar no espaço e nos planos do inimigo, porque só poderemos suplantá-lo se o conhecermos em detalhes. É fundamental saber quem é e identificar o inimigo para que inocentes não sejam atingidos; é preciso lidar com eles¨...

... Luís Maranhão tinha razão, sempre teve, estamos vivendo o crepúsculo da ditadura...

...Sabe, Isabel? Nunca mais se soube de Luís Maranhão. O pessoal do Prestes acha que jogaram-no no mar, com outros companheiros do Comitê central¨...

...No decorrer da conversa ele resumiu os esforços do presidente, falou das restrições promovidas de cima para baixo pelos generais contrários ao processo de transição, que excluíram da anistia os presos políticos condenados por crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentados. Há coisas que a ´inteligência´ brasileira se recusa a ver, como a reforma agrária em andamento, um programa de novas fronteiras agrícolas. Ano a ano, milhares de famílias são assentadas em projetos integrados de colonização, em terras devolutas ou não, graças a um instrumento altamente revolucionário, por incrível que pareça, criado pelos militares, o Estatuto da terra. Em Rondônia, por exemplo, 100 hectares de terra são distribuídos por cada família e o INCRA tem projetos de assentá-las em todo o país, em quase todos os estados. Neste ano o país colherá mais de 60 milhões de toneladas de grãos e o velho quer chegar, antes de sair do governo, a 70 milhões. Meu medo é que a democracia, que virá, inevitavelmente, acabe com alguns bons resultados atingidos pelos militares, como o Estatuto da terra. Você vai a Mato Grosso, Goiás, Minas, Bahia, e vê. Por quê só essa porra de esquerda se recusa a ver que vivemos num período de rápida transição? Por quê não participa, só espera a hora de entrar na dança? Enganos teriam sido evitados, se a esquerda fosse dialética, não dividisse tudo em contra e a favor. Quando o velho assumiu, no começo da guerra do Irã contra Iraque, por dia o Brasil produzia 100 mil barris de petróleo. Vamos entrar no terceiro ano de governo e já ultrapassamos 400 mil barris por dia. Na última vez que passei por Brasília publiquei, lá mesmo, um artigo com o título Velhas Contradições Renováveis Justificam Apreensões, e o velho chamou-me para conversar. Falamos inclusive da linha dura, ele disse-se insatisfeito com o andamento da abertura, e quem sonhou com a volta dos exilados e de tanta gente que partiu num rabo de foguete, já pode comemorar, porque estão voltando, repatriados por uma lei de anistia assinada pelo general, no qual a esquerda nem ninguém confiara nem acreditara. E tudo começou com o alemão, que em outubro de 1978 revogou todos os atos de exceção. Agora, a esquerda também sob a proteção do general de cavalaria, vem com esse papo de que ´exige´ eleições diretas, sem ver que os militares já as permitiram para governador e, inclusive, perderam. Entende, Isabel? A esquerda exige ´corajosamente´ o que já lhe foi dado, que ela já recebeu, mas não tardará e dirá que foi uma conquista. É essa hipocrisia que torna superficial a história não registrada, a que não ficou nas páginas dos jornais, nos noticiários da televisão, e que faz surgir os ´heróis´. Em todo o mundo o fantasma do anticomunismo agoniza, mas a esquerda não percebe porque prefere e para ela é melhor, que a face verdadeira da história permaneça oculta. Só a esquerda, preocupada em produzir ´heróis´, não percebe o quanto o general de cavalaria lhe facilitou a vida, não vê que ele já deu o sinal verde e soltou as rédeas da mudança, a tal ponto que me disse preferir mil vezes o poder mudar de mãos a vê-lo passar para as mãos do turco ladrão, a mitológica e conturbada biografia, repleta de falcatruas e negócios escusos, de alguém que sempre fez política em detrimento dos cofres públicos. Sabe aquele político que rouba, mas faz? O turco ladrão pretende ser, no entanto todos sabem que ele rouba e não faz, só engana. Da última vez que estive em Brasília, achei o velho triste, amargurado pela traição do bruxo, e penso que ele vai entrar num período de hibernação, porque agora, depois de dar-lhe as costas, a ´besta´ agora é o coordenador da campanha do turco canalha que, tenho certeza, jamais será Presidente da República. Há muita gente muito boa trabalhando para evitar que este absurdo aconteça¨.



CAPÍTULO CCLXXVIII

¨Sou filiado ao partido do governo. Durante meses e meses compareci ao edifício Safra, em Brasília e dei palpites do velho, dirigidos ao Presidente e ao Secretário-Geral do partido do governo e hoje sei que, se o turco tentar comprar os convencionais, o partido vai rachar. E aí é que o velho vai sofrer, porque tem um amigo candidato. Como não estamos mais no bipartidarismo, eu acho que não haverá outra saída, a não ser fundar outro partido, fazer alianças até com o diabo, até com os liberais, menos, com o turco ladrão e contra ele, o pior de todos os anticomunistas!¨...

...¨Alguém sabe que você se filiou ao Partido do governo?¨...

...¨Muita gente, inclusive o general, foi ele quem abonou minha filiação¨...

...¨Não é arriscado, amor?¨...

...¨Talvez seja. No entanto, de que outra maneira eu poderia agir, fazer alguma coisa? O pior não é isso, sem poder mais ´mexer´ no governo de acordo com seus caprichos, o general bruxo trocou o gabinete do quarto andar do Palácio do Planalto por um cargo de diretor num banco francês, na Avenida Paulista, e com mais esta o velho quase teve um infarto, ficou mais inapetente, ainda. Hoje, o velho governa por governar, não sente mais gosto nenhum pela política. Testemunhei a incompreensão, estive com ele; dá pena vê-lo tão triste. Sua rotina se resume ao ritual que o cargo exige. Vive contrariado, se queixa de que a vida em Brasília é uma merda, monótona e enfadonha, cheia de bajuladores. Não tem mais nenhuma motivação para continuar no poder. Até tive vontade de ficar por lá, só para ficar perto, ajudar. Gosto muito desse meu Presidente, Isabel. Confio nele. Quer saber mais? Apesar de ser soldado, ele me disse que não aceita a violência, porque a violência é a guerra e a guerra não pode ser aceita em tempo de paz. Por essa e outras que dele ouvi, tenho certeza de que a ´abertura´ chegou; de que, haja o que houver, teremos democracia, não por pressão das massas nem da esquerda, simplesmente porque o alemão e alguns militares brasileiros assim decidiram, apesar dos trancos e barrancos e mesmo sem ânimo o meu general de cavalaria cumprirá até o fim a missão que lhe foi dada, de tocar até o fim o projeto de ´abertura´. É só esperar, para ver...

...Parou de falar e desceram uma, duas, três ou mais lágrimas...

...¨A fera, a linha dura, está quase morta. Infelizmente, a bomba explodiu dentro do gabinete do Presidente. Ele próprio me confidenciou e eu deixei vazar para a imprensa. Me disse que irá até o fim, só d(eu)s sabe como! A bomba foi um terremoto, abalou de forma irreversível a ditadura, foi mais forte e eficiente que um trator e ajudou a aplainar o caminho para a democracia, no entanto, destruiu o velho. Ele preferiu poupar o Exército, e não tinha outro jeito, sabia do envolvimento do Exército no episódio e calou, quase do mesmo jeito como fez o alemão na morte do jornalista, em outubro de 1975. Para poupá-lo e poupar-se, a linha-dura obrigou-o a acusar a esquerda, mas as participações do capitão e do sargento eram óbvias demais e acabaram com a face oculta, cruel, assassina e sinistra da direita que há muito tempo agia à revelia, acima e abaixo da hierarquia mais alta do país, nos escombros mais obscuros da repressão. De repente, com simplicidade, foram derrotados pela ação invisível e anônima da História. Claro, gerou uma inquietação que pode levar e levará as lideranças políticas a exigir mais, e, aí, a esquerda vai passar e desfilar num bloco popular, na avenida, nos rastros da abertura feita pelos generais¨...



CAPÍTULO CCLXXIX

Do fundo triste da solidão, debruçado sobre lembranças silenciadas, delas tirava cuidadosamente cada palavra...

...¨Foi a última manifestação da linha dura. A bomba explodiu por decisão secreta de militares que agiram por conta própria e arriscaram a vida e a sorte para fazer parte do futuro, dos novos desafios. Já não são os mesmos fanáticos do anticomunismo irracional, durante anos e anos obedientes ao Tio Sam, quando permitiam, ordenavam ou fingiam desconhecer a tortura e os assassinatos políticos, em nome do anticomunismo. São homens que se sentem impregnados pelo sentimento de pátria, que lutaram de mãos dadas com um ou outro civil alucinado, e que querem refazer o Brasil pela reconquista do povo a que pertencem, para o qual hão de voltar, militares preocupados menos com a democracia e mais com o retorno à vida profissional, para defender o país, sua verdadeira missão, uma luta iniciada de peito aberto na areia de Copacabana por um grupo de tenentes que recortaram pedaços da bandeira brasileira e em cada um, cada qual escreveu seu nome. Você ouviu falar nos ´18 do Forte´, Isabel?...

...¨Não¨...

...¨Na realidade eram, 29. Só sobraram dois. Um dia eu conto melhor. De alguns eu lembro os nomes, Daltron Carpentier, Siqueira Campos, Eduardo Gomes. Eram tenentes em 1922 e lutavam contra as oligarquias. Alguns chegaram a general, lutaram contra o imperialismo americano, a seu modo, mas quem quer saber disso?¨...

...Isabel cochilou, dava sinais de cansaço, e ao acabar de ouvir foi para o quarto¨...

...¨Vem, é tarde. No te pongas así, triste. Té quedas feo¨...

...Deitaram-se e dormiram sem fazer amor e naquela noite não se falou mais de nada.



SEGUNDA OS CAPÍTULOS CCLXXXI, CLXXXII, CCLXXXIII, CLXXXIV E FINAL


  

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Editor: Marcos Antonio Moreira
Diretora Executiva: Kelen Marques